Por que restrições de glicose e glutamina são essenciais para o tratamento de câncer?

terapia metabólica

Resumo da matéria -

  • Todas as células cancerígenas, sem exceções, usam a fermentação como fonte de energia para se desenvolver. Elas fermentam ácido lático a partir da glicose em seus citoplasmas, e ácido succínico a partir da glutamina nas mitocôndrias
  • Até mesmo quando as células dos tumores parecem estar gerando ATP e consumindo oxigênio, sugerindo que estão respirando normalmente, elas não estão, pois suas mitocôndrias são anormais. Por isso, disfunções mitocondriais são a raiz da maioria dos tipos de câncer
  • A verdadeira origem do câncer são danos nas funções respiratórias das mitocôndrias, que então usam a fermentação para produção de energia, operadas pelos oncogenes. Os oncogenes facilitam a entrada de glicose e glutamina nas células, para substituir a fosforilação oxidativa

Por Dr. Mercola

Thomas Seyfried, PhD, professor de biologia no Boston College, é um pesquisador especialista na área do metabolismo do câncer e cetoses nutricionais. Seu livro, “O Câncer como uma Doença Metabólica: A Origem, Administração e Prevenção do Câncer" é um texto fundamental sobre o assunto e, em agosto de 2016, recebeu o prêmio Game Changer do Mercola.com por seu trabalho.

Neste artigo, discutiremos o funcionamento do câncer e a influência das funções mitocondriais, que estão fortemente ligadas ao desenvolvimento e ao tratamento da doença.

Atualmente, muitos dos leitores de Seyfried estão envolvidos com o seu último artigo, “A Fosforilação Mitocondrial a Nível de Substrato Como uma Fonte de Energia para a Glioblastoma: Revisão e Hipótese”, publicado online no dia 27 de dezembro de 2018. Ele também publicou vários outros artigos sobre os fundamentos metabólicos do câncer.

Por que as biópsias são arriscadas?

Antes de explorar como acontece o desenvolvimento do câncer, seria bom revisar uma estratégia de diagnóstico oferecida para quase todas as pessoas diagnosticadas com câncer. É muito importante entender que ela pode não ser a melhor estratégia, e que, para muitos, evitar a biópsia é uma escolha sábia.

Seyfried adverte contra biópsias, pois esse procedimento pode fazer com que o câncer se espalhe. Basicamente, um tumor é um grupo de células proliferando em algum local do corpo. Para fazer o diagnóstico, uma pequena amostra de biópsia é retirada e analisada para descobrir se o tumor é benigno ou maligno.

O problema é que, quando você abre um buraco de acesso ao local do câncer para remover a amostra, você cria um ferimento naquele microambiente, que causa uma invasão de macrófagos e outras células do sistema imunológico.

Se o seu microambiente já for ácido, você corre o risco de causar um evento de hibridação no microambiente, entre seus macrófagos e as células cancerígenas (como será tratado abaixo). Isso pode transformar uma situação possivelmente benigna em maligna, e se o tumor for maligno, perfurá-lo pode piorar ainda mais a situação.

Solucionando o dilema da teoria de Warburg

Na biologia, a estrutura determina a função. Esse é um conceito evolucionário. Então, como as mitocôndrias podem estar estruturadas de forma anormal nos tecidos, e ainda assim efetuarem a respiração de forma normal?

Como disse Seyfried, isso não faz sentido. Esse tipo de confusão acontece, em parte, porque muitos estudam o câncer em culturas, e “fazem grandes afirmações e comentários a respeito do que acontece nas culturas”, disse Seyfried.

A teoria de Warburg sobre o câncer se prova correta

Sabendo disso, a teoria de Warburg pode ser provada correta: o câncer surge de danos na capacidade das mitocôndrias de gerar energia através da respiração em suas cadeias de transporte de elétrons.

Além da fermentação de ácido lático, a fermentação compensatória também envolve a fermentação de ácido succínico, utilizando a glutamina como combustível. O fato de que a glutamina é o combustível principal de vários tipos de câncer é conhecido há décadas, mas a maioria das pessoas pensam que a ela é respirada, e não fermentada.

A descoberta de Seyfried e Chinopoulos confirma que as células cancerígenas causam danos na respiração celular, e que, para sobreviverem, precisam usar a fermentação. Os dois combustíveis fermentáveis mais abundantes no microambiente do câncer são a glicose e a glutamina. Por isso, a restrição dessas substâncias é crucial para o tratamento do câncer.

Sem elas, as células cancerígenas passarão fome, pois não conseguem usar as cetonas como combustível. Dessa forma, a maneira mais simples de lidar com o câncer é fazendo uma cetose terapêutica nos pacientes, e restringir estrategicamente a disponibilidade de glicose e glutamina.

Mutações genéticas não são a causa do câncer

De acordo com Seyfried, as disfunções mitocondriais são o centro de quase todos os tipos de câncer. Porém, poucos oncologistas sabem disso, e muitos ainda acreditam que o câncer é resultado de defeitos genéticos. No entanto, experimentos de transferência nuclear mostram claramente que o câncer não pode ser uma doença genética.

"Eu ainda não ouvi nenhum argumento científico racional desconsiderando as várias evidências de que as mutações genéticas não são a causa, mas sim as consequências das disfunções mitocondriais”, disse Seyfried.

"De fato, há novas informações de que pessoas estão encontrando as supostas mutações genéticas causadoras do câncer expressadas e presentes em células normais, na pele, e também no esôfago...

Este é outro tipo de problema: como encontrar essas supostas mutações genéticas em tecidos normais. Nós também estamos descobrindo alguns cânceres que não têm mutações, mas ainda estão fermentando e crescendo fora do controle.

Existem muitas novas observações que põem à prova a ideia de que o câncer é uma doença genética. E quando você perceber que ela realmente não é, então você precisa questionar a maioria das terapias usadas para tratar a doença. Isso ajuda a explicar por que 1.600 pessoas morrem por dia por causa do câncer nos Estados Unidos.

Por que há tanto sofrimento e tantas mortes sendo que estamos estudando essa doença há décadas? Bem, se você considerar a quantidade imensa de artigos científicos sendo escritos sobre o câncer, você vai perceber que na maioria das vezes eles se baseiam em defeitos genéticos.

O que eu quero dizer é que se o câncer não é uma doença genética e as mutações são apenas epifenômenos, por que as pesquisas continuam a focar em coisas muitas vezes irrelevantes para a natureza da doença? Eu acho muito triste que a maioria das pessoas da área estão perdendo tempo...

Eu acho que podemos reduzir a taxa de mortalidade do câncer por cerca de 50% em 10 anos, se o câncer for tratado como uma doença metabólica mitocondrial, focando nos combustíveis fermentáveis, ao invés de usar terapias tóxicas focadas no tratamento de efeitos epifenômenos.

O propósito da radiação é interromper a replicação do DNA. E a replicação do DNA necessita de energia. Se você parar de fornecer os combustíveis fermentáveis para as células cancerígenas, elas também não vão conseguir se replicar... Todos esses tratamentos do câncer que temos feito são abordagens baseadas em um mal-entendido biológico...

Sabemos que vírus podem causar câncer. Sabemos que a radiação pode causar câncer. Sabemos que carcinógenos causam câncer. Sabemos que a hipóxia intermitente causa câncer. Sabemos que inflamações sistêmicas causam câncer. Sabemos que o simples envelhecimento nos põe em maiores riscos de câncer.

Sabemos que existem mutações hereditárias no genoma que podem causar câncer. Mas como todas essas coisas se interligam em um mecanismo patológico em comum? O mecanismo patológico comum são os danos na estrutura e nas funções das mitocôndrias".

“Todos os casos que mencionei... incluindo as mutações hereditárias, danificam a respiração de um grupo particular de células em um tecido. Considere o gene do câncer de mama (BRCA 1), por exemplo. As pessoas vão dizer que o "câncer deve ser uma doença genética, porque você herdou a mutação que causa a doença".

Mas você só desenvolve a doença se a mutação danificar as funções das mitocôndrias. 50% das mulheres que possuem a mutação nunca desenvolvem câncer de mama, porque a mutação, por alguma razão, não danificou as mitocôndrias dessas mulheres.”

Então, resumindo, a verdadeira origem do câncer são danos nas funções respiratórias das mitocôndrias, que então usam a fermentação para produção de energia, operadas pelos oncogenes. Os oncogenes facilitam a entrada de glicose e glutamina nas células, para substituir a fosforilação oxidativa.

Por que o câncer se espalha?

Seyfried também tem uma visão bem diferenciada sobre a biologia da metástase (a propagação do câncer): Ele explica:

"Nós analisamos as células cancerígenas em vários ensaios pré-clínicos... Elas crescem muito rápido. O tumor continua se expandindo, mas ele não se espalha. Ele não entra na corrente sanguínea ou em diversos órgãos.

Nós descobrimos um tipo muito incomum de câncer há 20 anos. Levamos de 10 a 15 anos para entender do que se tratava. Se você colocar um pouco das células em qualquer lugar do corpo de um camundongo, dentro de três ou quatro semanas, ele estará cheio de câncer metastático. Ele foi a capa da revista International Journal of Cancer em 2008, mas trabalhamos com ele por anos.”

O câncer metastático é uma célula híbrida

De acordo com Seyfried, as células do câncer metastático são híbridas, uma mistura de uma célula imunológica com uma célula-tronco desregulada, que pode ser originada de uma célula epitelial desorganizada, ou algo similar. Resumindo, é uma célula híbrida com as características dos macrófagos.

Os macrófagos são essenciais para a cicatrização de ferimentos e são parte do nosso sistema de defesa primário contra infecções bacterianas. Eles ficam na corrente sanguínea e nos tecidos, e podem chegar em qualquer lugar do corpo. Quando sofremos um ferimento ou uma infecção, eles se movem imediatamente para o local, visando proteger o tecido.

"A célula do câncer metastático tem muitas dessas mesmas propriedades”, explica Seyfried. "Mas a energia e as funções da célula são completamente desreguladas, de forma que ela prolifera rapidamente e tem a capacidade de se mover e se espalhar pelo corpo. Então, é um macrófago corrompido. Nós o chamamos de macrófago desonesto".

Assim como os macrófagos, as células do câncer metastático conseguem sobreviver em ambientes hipóxicos, e é por isso que a maioria das terapias anti-angiogênicas não são eficazes contra o câncer metastático.

Então, do que essas células híbridas metastáticas precisam para sobreviver? Os macrófagos e as células imunológicas são grandes consumidores de glutamina e, de acordo com Seyfried, é possível matar as células metastáticas cortando a glutamina.

Os tratamentos convencionais do câncer são desnecessariamente mortais

No entanto, isso precisa ser feito de uma forma que não afete os macrófagos normais e as outras células imunológicas. Deve ser feito de forma estratégica. Por isso, Seyfried desenvolveu uma “terapia de pressão e pulso” para o câncer, que permite que o paciente mantenha suas funções imunológicas normais, enquanto tenta eliminar as células corrompidas e as inflamações.

"As terapias que temos usado para tentar matar essas células metastáticas nos colocam em riscos de morte. É possível controlar essas células por curtos períodos, mas elas podem entrar em um tipo de estado dormente, e depois reaparecem.”

Uma boa estratégia para matar as células cancerígenas

Para tratar o câncer de forma correta, você precisa limpar o microambiente do tumor, pois assim ele irá matar as células que dependem da fermentação, enquanto aprimora as restantes. Ao mesmo tempo, o microambiente também reduzirá as inflamações.

A terapia de pressão e pulso

Essa terapia, chamada por Seyfried de “tratamento de pressão e pulso”, envolve a restrição clínica dos combustíveis fermentáveis (glicose e glutamina) sem causar danos às células normais e aos tecidos. A glicose pode ser restringida por uma dieta cetogênica. Restringir a glutamina é um pouco mais complicado.

A terapia de pressão e pulso foi desenvolvida a partir do conceito de pressão e pulso usado na área de paleobiologia. Uma “pressão” indica algum estresse crônico sobre as populações, que mata uma grande quantidade de indivíduos, mas não todos, porque alguns organismos conseguem se adaptar ao estresse. Um “pulso” se refere a um evento catastrófico.

A ocorrência simultânea desses dois eventos improváveis causou a extinção de quase todos os organismos do planeta. Isso ocorreu de forma cíclica, se repetindo após centenas de milhares de anos. Há registros geológicos que mostram evidências desse fenômeno.