Por Dr. Mercola
Cientistas da Universidade de Yale publicaram um artigo no qual propõe que o número crescente de adultos e crianças com alergias alimentares pode ser consequência de uma ativação exagerada do sistema que protege o organismo contra a ingestão de alimentos tóxicos. Segundo eles, até 8% das crianças apresentam uma resposta que pode ser fatal aos chamados oito maiores alérgenos alimentares.
Entre esses “Big 8” encontram-se o leite, ovo, trigo, soja, peixe, crustáceos, nozes e amendoim. A Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia referir-se a um estudo de 2010 que contou com 38.480 crianças abaixo dos 18 anos, revelando que a taxa de alergias alimentares oscilava entre 6% a 8,5%, de acordo com a faixa etária.
Em 2016, uma pesquisa posterior que dimensão quase idêntica (38.408 crianças) se deparou com resultados similares, identificando alergias alimentares em 7,6% das crianças. Os dados foram coletados a partir de pesquisas respondidas pelos pais, não com exames confirmados. Entre as alergias mais relatadas estavam o amendoim, leite e marisco.
Mas a conclusão dos pesquisadores é que a prevalência pode ser maior, visto que cerca de 4% das pesquisas foram excluídas porque o histórico não correspondia a uma reação alérgica alimentar. Tomando por base dados coletados entre 1997 a 2011, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos relataram uma crescente nas taxas alergias alimentares em crianças.
Em um período de 14 anos, a taxa de alergias alimentares sofreu um aumento de 3,4% para 5,1%. É possível que essa taxa tenha saltado para 7,6% segundo dados mais recentes de 2016, e isso significa que esse valor mais do que duplicou no período de 19 anos. Para os imunobiologistas de Yale, essa crescente pode se dever ao aumento de substâncias não naturais ou de substâncias químicas no meio ambiente.
O seu organismo possui um sistema de controle de qualidade dos alimentos
Esse crescimento no número de crianças e adultos sofrendo de alergias alimentares tem causado preocupações em médicos e pesquisadores. A Universidade de Yale publicou um artigo no periódico Cell no qual seus pesquisadores discutem os variados mecanismos sensoriais que o organismo utiliza para monitorar os alimentos ingeridos.
Tais sistemas envolvem o olfato, paladar e processos quimossensoriais no intestino, que são afetados pelo microbioma intestinal. Os cientistas do artigo argumentam que o organismo conta com um sistema de controle de qualidade dos alimentos cuja resposta alérgica tem um papel a exercer. A identificação e resposta aos antígenos dos alimentos podem terminar numa alergia letal.
O excesso de limpeza do ambiente é uma teoria prevalente para o aumento das alergias alimentares — é a chamada hipótese da higiene: por não serem mais expostos a patógenos presentes de modo natural no ambiente, crianças e adultos terminam com o sistema imunológico hipersensível.
Cientistas que escreveram no Clinical & Experimental Immunology ampliaram tal explicação, incluindo a presença de alimentos processados, detergentes e outros produtos químicos no meio ambiente, bem como o excesso de limpeza com ausência de exposição natural a micróbios.
O argumento é que tudo isso exerce um papel na perturbação do sistema interno de controle de qualidade dos alimentos, cujo intento é proteger o organismo contra produtos químicos nocivos e substâncias prejudiciais. Essa teoria, para o grupo de cientistas, pode servir de fundamento para pesquisas, tratamento ou prevenção futuros.
Quando o organismo identifica a ingestão de toxinas, ativa o sistema nervoso parassimpático com a finalidade de neutralizar a ameaça para a saúde. O problema é que essa resposta pode desencadear as alergias alimentares; com a falta de ameaças naturais, o sistema pode se tornar hipersensível.
Tudo leva a equipe a crer que o sistema imunológico pode estar respondendo às proteínas presentes nos alimentos da mesma forma que fariam contra toxinas, devido às mudanças coletivas no meio ambiente e no suprimento de alimentos.
Outros possíveis motivos para o aumento do número de alergias alimentares
Tornou-se evidente a existência de muito dinheiro em jogo no tratamento de alergias com o furor gerado pelos aumentos crescentes no preço da EpiPen, um tratamento contra reação alérgica anafilática que pode salvar vidas em casos de potencial letal.
Como bem abordado pela Dra. Karen Becker em um de seus artigos da Healthy Pets, esse é mais um benefício dos animais de estimação para a saúde. A exposição de crianças a cães e gatos pode impactar o desenvolvimento de seu sistema imunológico. Em 2017, dois estudos apresentados no Colégio Americano de Alergia, Asma e Imunologia comprovam que crianças nascidas em lares nos quais havia cães apresentavam um risco menor de eczema alérgico e asma, algo corroborado por pesquisas anteriores.
Devido à exposição a diversas bactérias e micróbios, os cães passaram a ser chamados de "o novo probiótico". Dieter Steklis, professor de psicologia e antropologia da Universidade do Arizona, estudou a relação física e do microbioma entre os seres humanos e os animais de estimação. Em conversa com jornalista do Tucson Sentinel, disse:
“Sempre me surpreendeu quantas doenças e distúrbios estão relacionados a processos inflamatórios que apontam para o sistema imunológico. Se, ao que parece, ter um cachorro de fato domestica seu sistema imunológico, então os idosos que têm cães podem apresentar menos risco de doenças depressivas.”
Outra teoria para o crescimento das alergias alimentares é o uso excessivo de medicamentos para redução do ácido estomacal, visto que são capazes de alterar o microbioma gastrointestinal.
Segundo uma pesquisa do King's College London, quando os pais evitam introduzir a crianças pequenas alimentos conhecidos por causar alergia, existe um risco maior de que elas venham a apresentar uma reação mais tarde na vida. O estudo em questão visava avaliar se evitar um alérgeno aumentaria ou diminuiria uma alergia alimentar e, para isso, selecionou crianças que apresentavam reação alérgica conhecida a ovos ou eczema.
De acordo com os dados, quando os pais evitavam oferecer amendoim aos filhos, 13,7% desenvolveram alergia aos 5 anos, em comparação com 1,9% que experimentaram o amendoim antes. Os pesquisadores também questionam se o crescimento nas taxas de alergia alimentar pode se dever ao fato de que passamos mais tempo em casa, fazendo com que os níveis de vitamina D estejam abaixo do ideal em quase 40% (39,92%) da população em geral.
Pesquisas conduzidas sobre o uso da EpiPen nos EUA descobriram um forte gradiente norte-sul, com maior uso nos estados do norte, apontando para “importantes pistas etiológicas (nível de vitamina D)” que merecem uma investigação mais aprofundada.
Dois anos depois, encontrou-se dados similares na Austrália, quando se revelou ser mais comum o uso da EpiPen e as internações por anafilaxia em regiões que recebiam menos luz solar, conferindo um “apoio adicional para um possível papel da vitamina D na patogênese da anafilaxia”.
Será uma alergia ou intolerância alimentar?
Há uma diferença entre a sensibilidade ou reação a alimentos e uma alergia alimentar em si. A alergia alimentar de verdade sofre mediação do sistema imunológico, sendo desencadeada por uma reação às proteínas presentes em determinado alimento ou bebida. Já as sensibilidades alimentares ou intolerâncias alimentares, costumam ser uma desagradável reação gastrointestinal a algo que você comeu, sem mediação do sistema imunológico.
A verdadeira alergia ao leite, por exemplo, difere da intolerância à lactose. A alergia desencadeia uma resposta imunológica enquanto a intolerância provoca sintomas gastrointestinais pela incapacidade de digerir as proteínas do leite. A imunoglobulina-E (IgE), um anticorpo presente no sangue e nos mastócitos de todos os tecidos do organismo, está envolvida nas alergias alimentares do tipo 1.
Uma vez consumido o alimento pela primeira vez, as células produzem IgE contra a proteína que desencadeou a reação, que seria o chamado alérgeno. A IgE é liberada e se prende à superfície dos mastócitos. Da próxima vez que você comer o alimento que tem esse alérgeno específico, o terreno já está preparado. Nos mastócitos, a proteína interage com a IgE e provoca a liberação de histamina.
As reações da IgE pode começar com coceira na boca acompanhada por vômito, diarreia e dor de estômago. Certos alérgenos proteicos conseguem passar de imediato para a corrente sanguínea, provocando uma reação em todo o corpo, com tonturas ou sensação de desmaio, tosse incessante, aspereza na garganta e pulso fraco. Também pode ativar uma reação anafilática que resulta em queda de pressão, urticária e respiração ofegante.
Pode demorar de alguns minutos a algumas horas para uma alergia alimentar do tipo 1 se desenvolver. A alergia alimentar do tipo 3 sofre mediação da imunoglobulina-G (IgG). Trata-se de uma alergia alimentar tardia, que ocorre dentro de 4 a 28 horas após a exposição.
O surgimento das alergias alimentares não é incomum
Apesar de o desenvolvimento da maioria das alergias alimentares se dar na infância, não é raro que adultos desenvolvam uma alergia alimentar. Pelo menos 10,8% dos adultos têm alergias alimentares, segundo dados de uma pesquisa transversal com adultos vivendo nos EUA. De outubro de 2015 a setembro de 2016 houve a coleta de tais informações.
Dos 40.443 adultos que concluíram a pesquisa, apenas 10,8% relataram sintomas simultâneos a uma reação da IgE, embora 19% tenham relatado algum tipo de alergia alimentar. O estudo foi conduzido em colaboração entre a Dra. Kari Nadeau, especialista em alergia alimentar de Stanford, e cientistas da Northwestern University, sendo publicado no Journal of the American Medical Association.
Para os pesquisadores, isso contradiz a histórica crença de que a maioria das alergias se desenvolve na infância. Segundo estimativas de dados anteriores, 9% dos adultos apresentavam respostas alérgicas verdadeiras aos alimentos. Na coorte, 38% dos indivíduos com alergia alimentar comprovada sofreram uma reação que os fez parar no pronto-socorro e 48% relataram que ao menos uma alergia alimentar foi desencadeada após os 18 anos.
Certas alergias alimentares desenvolvidas na idade adulta podem ser graves, como é o caso das reações que a estudante Amy Barbuto sofreu num restaurante tailandês. Amy relatou sua primeira reação alérgica no restaurante em entrevista a um jornalista do Texas Medical Center.
Antes, ela sofria intolerância ao glúten. Porém, em 2011, sofreu uma reação anafilática ao usar um molho de soja errado em sua comida. Desde então, ela passou por 25 hospitalizações de 2011 a 2020 devido a reações alérgicas.
Reduza o risco de possíveis alergias alimentares
Como a história de Amy comprova, é possível que as alergias alimentares se desenvolvam na idade adulta e se tornem letais. Mas existem passos que você pode dar no intuito de diminuir o possível risco de desenvolver uma alergia ou sofrer uma resposta anafilática.
O microbioma intestinal é essencial para a saúde e o funcionamento ideal do sistema imunológico, que é mediador da resposta alérgica aos alimentos. Você protege sua saúde ao cuidar de seu microbioma intestinal.
- Os alimentos fermentados ajudam a repopular seu intestino com bactérias saudáveis
- Os antiácidos modificam a acidez estomacal e afetam de forma negativa o microbioma intestinal
- Evite os antibióticos, inclusive na sua alimentação, a menos que seja de fato necessário, e tome um probióticos de qualidade sempre que precisar fazer uso de antibióticos
- Diminua ou corte os alimentos processados, pois eles são ricos em açúcares que servem de alimento para as bactérias ruins presentes no intestino
- Otimize seus níveis de vitamina D através da exposição consciente ao sol ou por suplementação, caso more numa região com pouca incidência solar