Por Dr. Mercola
Até 2050, teremos cerca de 80 milhões de pessoas acima dos 65 anos, o que é mais um motivo para focarmos na saúde do cérebro. Escolhas relacionadas ao estilo de vida, como consumir álcool estão relacionadas a danos cerebrais.
Embora algumas pesquisas sugiram que o consumo de vinho tem um efeito neuroprotetor, vários estudos demonstraram que o consumo de álcool tem um efeito negativo sobre o cérebro.
O consumo excessivo, também conhecido como "abuso de álcool", causa disfunção neuronal e danos cerebrais, mas consumir apenas 1 grama de álcool por dia é suficiente para acelerar o envelhecimento do cérebro, de acordo com um dos maiores estudos já realizados sobre o assunto.
Beber todos os dias acelera o envelhecimento estrutural do cérebro
Pesquisadores da University of Southern California examinaram 17.308 imagens do cérebro humano de pessoas entre 45,2 e 80,7 anos, revelando que cada grama adicional de consumo de álcool por dia está associada a um aumento da idade cerebral relativa de 0,02 anos, ou 7,5 dias. Essa é uma métrica que envolve a idade cerebral de uma pessoa e seus pares com base na anatomia do cérebro.
O estudo fala de uma grama, mas a maioria das pessoas consome em média 29 gramas, um valor que envelheceria o cérebro em cerca de 211.5 dias.
"Nossa análise revelou que a ingestão diária ou quase diária de álcool aumenta de forma significativa a idade cerebral relativa. Nossa descoberta é consistente com estudos anteriores que demonstram que o consumo pesado de álcool tem um efeito negativo sobre o cérebro".
Beber todos os dias ou quase isso pode ser uma boa parte do problema, pois o estudo não verificou uma diferença muito grande da idade cerebral relativa em pessoas que bebem com menos frequência ou não bebem. Pelo menos um estudo já revelou que o consumo leve a moderado de álcool, em especial, o vinho, está associado a um maior volume cerebral, sugerindo que a prática é benéfica para o cérebro.
Dito isso, o consumo regular e extenso de álcool já é conhecido por causar danos cerebrais, perda de neurônios e matéria branca, além de uma redução no volume cerebral. Isso é muito preocupante, dado o aumento sem precedentes do consumo de álcool registrado nas últimas décadas.
O efeito do abuso de álcool no cérebro
Uma revisão de 2019 publicada na Frontiers in Neuroscience abordou a interação entre o consumo de álcool e a queda da cognição, observando que o abuso crônico de álcool causa "mudanças na estrutura neuronal através de neuroadaptações complexas no cérebro". Os pesquisadores explicam:
“No geral, o consumo crônico de álcool causa degeneração da medula espinhal e do sistema nervoso periférico, bem como a desnutrição das células cerebrais devido a mudanças no metabolismo e falta de folato e tiamina.
O abuso dessa substância também afeta de forma grave o sistema dopaminérgico, pois a ingestão repetida de álcool aumenta a tolerância e suprime o nível de excitação, de modo que doses cada vez maiores são consumidas pelos viciados para estimular seus centros de recompensa".
O aumento da dose de álcool pode causar neuroinflamação e morte neural, e o abuso crônico de álcool está associado à perda de massa cinzenta e aos efeitos relacionados ao envelhecimento acelerado. Os pesquisadores também apontaram que "é possível identificar alcoólatras através de ressonâncias magnéticas das redes de controle executivo e centros de recompensa".
A demência relacionada ao álcool, causa sintomas como declínio cognitivo, problemas na vida social e profissional. Ela também pode causar degeneração e desmielinização do corpo caloso no cérebro, que é uma marca registrada da doença de Marchiafava-Bignami, uma condição neurológica progressiva associada ao alcoolismo.
O álcool aumenta o risco de Alzheimer e reduz o volume cerebral
Uma publicação do Journal of Neuroinflammation revelou que o consumo excessivo de álcool pode aumentar a probabilidade de o cérebro acumular proteínas beta-amiloides, contribuindo o surgimento do mal de Alzheimer.
O estudo focou nas células da microglia de ratos, que são células do sistema imunológico presentes no cérebro e na medula espinhal que atuam de forma ativa para limpar a beta-amiloide em um processo conhecido como fagocitose. Os pesquisadores expuseram as células microgliais ao álcool (em um nível comparável ao encontrado em pessoas que bebem em excesso), citocinas inflamatórias ou uma combinação de álcool e citocinas por 24 horas.
A expressão de mais de 300 genes foi alterada após a exposição ao álcool, enquanto a exposição a citocinas resultou em alterações em mais de 3.000 genes. A exposição combinada ao álcool e citocinas causou alterações em mais de 3.500 genes. Vários genes alterados estavam envolvidos na fagocitose e inflamação.
A fagocitose microglial também foi afetada pelo álcool, diminuindo em cerca de 15% após uma hora de exposição. Apesar de os testes terem sido realizados em células isoladas de ratos, o que significa que o consumo de álcool em humanos possa ter um resultado diferente, eles sugerem que o álcool pode prejudicar a capacidade da microglia de eliminar o beta-amiloide.
O abuso de álcool continua a ser prejudicial para o cérebro mesmo em idade avançada, visto que pessoas nessa condição tiveram grandes reduções de volume cerebral acima dos 65 anos, mesmo que tenham começado a beber já na vida adulta.
Edith V. Sullivan, líder do estudo e Ph.D, da Stanford University School of Medicine, disse ao National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism:
"O que mais chamou atenção no estudo foi que o envelhecimento acelerado da estrutura cerebral aconteceu, em sua maioria, no córtex frontal. Mesmo aqueles cujo histórico de abuso de álcool começou mais tarde na vida tiveram uma perda acelerada da estrutura cerebral, uma mensagem poderosa sobre o fato de que começar a beber em excesso mais tarde não é um fator de proteção".
O efeito álcool no coração influencia seu cérebro
Há uma ligação complexa entre o consumo de álcool, a saúde do coração e o cérebro. O consumo excessivo de álcool danifica o coração, o que afeta o desempenho cognitivo. Por outro lado, melhorar a saúde cerebral pode aumentar a plasticidade cerebral e aumentar a função neurocognitiva.
Ou seja, o consumo de álcool não apenas afeta o cérebro de forma direta, mas também indireta, causando danos ao sistema cardiovascular. Pesquisadores que escreveram para a Frontiers in Integrative Neuroscience observaram:
“Em particular, supõe-se que a inteligência fluida e as funções executivas sejam aprimoradas e preservadas quanto mais os pacientes praticarem atividade física e quanto mais forte forem seus sistemas cardiovasculares. Pessoas não ociosas têm um risco menor de doenças físicas.
Isso se dá por conta da relação positiva entre a função cardiorrespiratória e as habilidades cognitivas. A queda na função pulmonar está ligada à diminuição da memória e dá atenção. A tiamina é uma substância-chave nessa equação, visto que a falta de tiamina é causada pelo abuso crônico de álcool e causa danos no sistema cardiovascular."
É possível proteger o cérebro dos danos causados pelo álcool?
A melhor forma de fazer isso é se abstendo do consumo de álcool ou o diminuindo muito. Porém, o dinucleotídeo adenina nicotinamida (NAD), cujo precursor é a niacina, ou vitamina B3, também é importante para pessoas que sofrem de alcoolismo.
Alcoólatras crônicos têm um risco elevado de deficiência de niacina, tanto pela ingestão reduzida quanto pela interferência na conversão de triptofano. Pequenas doses de NAD podem ser úteis de forma indireta quando ingeridas sem que o paciente esteja consumindo álcool.
O tratamento ajuda a diminuir a ânsia por bebida, desintoxica o corpo, ajuda a expelir o álcool e outras drogas do corpo, além de aliviar os sintomas. O NAD, um poderoso antioxidante, ajuda a criar energia nas células mitocondriais, aumentando a síntese de neurotransmissores no cérebro.
Essa tem sido considerada uma importante estratégia terapêutica para otimizar a função cerebral e até mesmo tratar o mal de Alzheimer. A N-acetilcisteína (NAC), uma forma do aminoácido cisteína, é outra ferramenta útil, pois é conhecida por reduzir o consumo de álcool e os sintomas de abstinência em roedores e diminuir a vontade de beber em humanos.
Em um estudo com pessoas que tomam em média um drinque por semana (com consomem álcool em excesso 0,3 dias por mês), o NAC aumentou a probabilidade de abstinência de álcool e reduziu o consumo de bebidas por semana. O NAC também é benéfico para a função cerebral, pois pode diminuir o dano oxidativo protegendo a função mitocondrial e reduzindo o risco de Alzheimer, ainda mais quando combinado com ácido lipóico (LA).
Exercícios ajudam a reduzir o consumo de álcool e protegem a saúde do coração
Exercícios podem mitigar alguns dos riscos do consumo de álcool no cérebro. Na Alcoholism: Clinical & Experimental Research, os pesquisadores disseram:
“O abuso crônico de álcool está relacionado a inúmeros problemas neurológicos, incluindo perda de massa cinzenta, danos à matéria branca, comprometimento das funções cognitivas e motoras.
Exercícios aeróbicos diminuem o declínio cognitivo e as alterações neurais causadas pelo envelhecimento e por vários tipos de doenças. É possível que o exercício seja capaz de reparar ou prevenir os danos neurológicos causados pelo álcool".
O estudo revelou que pessoas que bebem há muito tempo e se exercitam com regularidade sofrem menos danos na matéria branca quando comparados àqueles que quase nunca ou nunca se exercitam. A matéria branca é considerada uma "condutora" da comunicação cerebral, que é conhecida por cair de qualidade em pessoas que abusam do consumo de álcool.
Mesmo entre os bebedores crônicos, aqueles que fazem pelo menos 2,5 horas por semana de exercícios moderados a intensos reduzem muito o impacto biológico da bebida, incluindo a redução de alguns dos riscos de câncer e mortalidade por todas as causas associados ao consumo de álcool.
Exercícios também são uma ferramenta importante para a saúde cerebral, motivo pelo qual se recomenda a prática regular, independente do consumo de álcool. Porém, cada vez mais pesquisas esclarecem que limitar o consumo de álcool é muito importante para manter as capacidades cognitivas.