Por que subestimamos os riscos do álcool

Fatos verificados
substâncias perigosas

Resumo da matéria -

  • Nos EUA, aproximadamente 88.000 pessoas morrem todos os anos por causas relacionadas ao álcool, incluindo mais de 4.300 jovens menores de idade
  • O álcool está associado a cânceres da cavidade oral, faringe, laringe, esôfago, reto, cólon e mama e, possivelmente, câncer de pâncreas e pulmão
  • O álcool está associado à violência, incluindo agressão sexual e abuso infantil
  • Os fabricantes de bebidas alcoólicas fazem parcerias com órgãos de saúde pública e governamentais para fazer com que seus produtos pareçam menos nocivos

Por Dr. Mercola

O álcool é parte aceita de quase todas as sociedades. Está tão arraigado na socialização e no entretenimento, é tão fácil de obter e relativamente barato, que poucos pensam duas vezes antes de tomar uma bebida ou duas. Nós certamente conhecemos o alcoolismo e reconhecemos os alcoólatras, especialmente aqueles que afogam as mágoas na bebida, porém dificilmente pensamos no álcool como uma droga perigosa. Mas talvez devêssemos.

Relatórios científicos revelam que o álcool pode estar entre as drogas mais perigosas que existem, sejam elas lícitas ou ilícitas. Nos EUA, aproximadamente 88.000 pessoas morrem todos os anos por causas relacionadas ao álcool — incluindo mais de 4.300 mortes entre jovens menores de idade — e, em 2014, o álcool causou 9.967 fatalidades de trânsito nos EUA. Mundialmente, 5,9% das mortes são atribuíveis ao álcool.

Por que o álcool não é demonizado da mesma forma que o tabaco? Segundo especialistas em saúde pública, existem pelo menos duas razões. Uma delas é o lobby do álcool, que comprou uma cobertura favorável da mídia por meio de doações e parcerias com grupos de saúde pública e até órgãos governamentais. A outra razão é que as drogas ilícitas geralmente sofrem as consequências da má publicidade, mesmo quando a droga lícita, o álcool, pode causar mais danos.

O álcool é mais nocivo do que muitos imaginam

Embora a maioria das pessoas esteja ciente das fatalidades de trânsito envolvendo o álcool e dos possíveis efeitos do consumo excessivo de álcool para o fígado, há outras sérias consequências que são menos divulgadas. Por exemplo, o álcool está fortemente relacionado a cânceres de boca e faringe, laringe, esôfago, reto, cólon e mama. Está associado até ao câncer de pâncreas e pulmão.

O efeito cancerígeno do álcool "é inconfundivelmente proporcional à dosagem diária/semanal", de acordo com uma pesquisa publicada na revista húngara Magyar Onkologia. O álcool, ou etanol, como é chamado na profissão médica, é metabolizado é acetaldeído, um conhecido agente cancerígeno que exerce ações negativas:

"Entre outras coisas, o consumo crônico de álcool promove a produção de hormônios endógenos, afeta o fator de crescimento semelhante à insulina tipo I, altera várias vias biológicas, aumenta o estresse oxidativo e danifica os genes. Mesmo uma ingestão diária modesta de álcool aumenta o risco de câncer de mama."

Além disso, o álcool pode incentivar o câncer de cólon, de acordo com um relatório da revista Evidence Report/Technology Assessment:

"Um estudo em tecido humano, 19 estudos em animais... e 10 estudos em cultura celular indicam que o etanol e o acetaldeído podem alterar as vias metabólicas e as estruturas celulares que aumentam o risco de desenvolvimento de câncer de cólon. A exposição de biópsias do cólon humano ao acetaldeído sugere que o acetaldeído perturba as estreitas junções epiteliais.

Entre 19 estudos em animais, os mecanismos considerados incluíram: Lesão na mucosa após o consumo de etanol. Aumento da degradação do folato. Estímulo da carcinogênese retal. Aumento da proliferação celular. Aumentado do efeito de agentes cancerígenos."

O álcool pode contribuir para o câncer de mama

O câncer mais comum em mulheres nos EUA é o câncer de mama e é a segunda maior causa de mortes por câncer. Existe uma forte correlação entre o consumo de bebidas alcoólicas e o câncer de mama, de acordo com um estudo publicado na revista Alcohol:

"Os resultados da maioria dos estudos epidemiológicos, bem como da maioria dos estudos experimentais em animais, mostraram que a ingestão de álcool está associada ao aumento do risco de câncer de mama.

O consumo de álcool pode causar câncer de mama por meio de diferentes mecanismos, inclusive pela mutagênese a partir do acetaldeído, pela perturbação do metabolismo, pela resposta do estrogênio e pela indução de danos oxidativos e/ou por afetar as vias de metabolismo do folato e do carbono único... Embora fraco, o acetaldeído é um conhecido mutagênico."

Devido ao dano oxidativo que o álcool causa e seus efeitos nos genes e no fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1, "mesmo uma ingestão diária modesta de álcool aumenta o risco de câncer de mama", conclui a revista Magyar Onkologia. O aumento no risco de câncer de mama provavelmente vem da elevação do estrogênio pelo álcool, sugere uma pesquisa do Evidence Report/Technology Assessment:

"Níveis elevados de estrogênio podem aumentar o risco de câncer de mama através do aumento da proliferação celular e de alterações nos receptores do estrogênio. Estudos em humanos também sugeriram uma conexão com a prolactina e biomarcadores de estresse oxidativo.

Dos 15 estudos em animais, seis relataram aumento na tumorigênese mamária... Outros estudos em animais relataram que a conversão de etanol em acetaldeído no tecido mamário teve um efeito significativo na progressão do desenvolvimento do tumor."

O álcool está frequentemente associado à violência

A "cultura do estupro" e os estupros nos campi dos EUA são cada vez mais relatados, mas nem sempre é feito o vínculo com o consumo de álcool. Os pesquisadores sociais não pensam que o álcool, por si só, torne as pessoas violentas ou estupradoras, mas sim que estimula o comportamento daqueles com tendências violentas. De acordo com uma pesquisa no Journal of Studies on Alcohol and Drugs:

"O consumo de álcool por homens universitários está positivamente associado à perpetração de agressão sexual... No presente estudo... levantou-se a hipótese de que os episódios de ingestão alcoólica excessiva... contribuiu para a perpetração de agressão sexual por maior comparecimento a estabelecimentos com bebidas (festas, bares).

Os universitários que mais frequentavam "points" de bebidas eram mais propensos a perpetuar agressões sexuais subsequentes, sustentando um crescente corpo de evidências sobre a importância dos estabelecimentos que disponibilizam bebidas nas agressões sexuais em universidades."

Um estudo publicado na revista Child Abuse & Neglect descobriu que as crianças também sofrem violência como resultado do consumo de álcool:

"Este estudo é um exame detalhado da associação entre o abuso de álcool pelos pais... e várias formas de abuso na infância, negligência e outras disfunções domésticas, conhecidas como experiências adversas na infância (EAI)...

Comparado às pessoas que cresceram sem abuso de álcool pelos pais, a razão de chances ajustada para cada categoria de EAI foi aproximadamente 2 a 13 vezes maior se a mãe, o pai ou ambos os pais abusavam do álcool... a exposição ao abuso de álcool pelos pais está altamente associada a vivência de experiências adversas na infância."

O álcool também está correlacionado com efeitos depressivos em seus usuários e problemas na vida diária, como problemas nos relacionamentos interpessoais, incluindo o casamento.

Os fabricantes de bebidas alcoólicas geraram uma boa imagem

Como mencionei antes, o álcool não foi demonizado como o tabaco e as drogas ilícitas. De fato, você não precisa procurar muito para ver relatos de que o álcool é saudável e que os que bebem moderadamente vivem mais do que os abstêmios. Como a imagem positiva do álcool foi criada e mantida?

Dois anos após o lançamento de sua campanha Global Smart Drinking Goals em 2015, a Anheuser-Busch InBev, a maior cervejaria do mundo, estreou sua Fundação Ab Inbev. "Construída em torno da ideia de que as parcerias podem desempenhar um papel importante na redução do uso nocivo do álcool, atua por meio de um modelo colaborativo com nossa equipe, os Comitês de Direção da City Pilot e nossos parceiros", diz a cervejaria.

Mas, de acordo com um comentário da revista britânica The Lancet, a Fundação Ab Inbev não difere em intenção e hipocrisia da Fundação Internacional de Philip Morris para um Mundo Livre do Tabagismo.

Você pode até acrescentar a hipocrisia da Juul Labs que alega "fazer a transição dos bilhões de fumantes adultos do mundo dos cigarros convencionais, eliminando seu uso e combatendo o uso de nossos produtos pelos menores de idade" enquanto fisgavam as crianças com cigarros eletrônicos. A Fundação Ab Inbev trai conflitos de interesse descarados, diz o Lancet:

"De fato, a fundação atrai altos funcionários da ONU e ex-oficiais do governo dos EUA ao seu conselho, além de financiar e se envolver em processos de formulação de políticas. Apesar dos óbvios conflitos de interesse, a Fundação Anheuser-Busch InBev patrocina um fórum das Academias Nacionais de Ciências dos EUA para a prevenção da violência global."

Por exemplo, um membro do Fórum do Instituto de Medicina para a Prevenção da Violência Global em 2011 foi Amie Gianino, identificada como "Diretora Global Sênior, Beer & Better World, Anheuser-Busch InBev". Por que a indústria do álcool é considerada uma representação válida do governo sobre esses tópicos?

A Anheuser-Busch InBev não é a única gigante do álcool que finge se preocupar com a saúde global enquanto vende produtos que destroem a saúde. A Fundação Carlsberg, um dos principais grupos cervejeiros do mundo, criou o UNLEASH para jovens que trabalham em "soluções para atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas". Ela também trabalha com grupos governamentais, diz o comentário do Lancet.

Mais decepções dos fabricantes de bebidas alcoólicas

Como os fabricantes de bebidas alcoólicas foram capazes de minimizar os consideráveis vínculos entre o câncer e seus produtos? De acordo com a Drug and Alcohol Review:

"Três estratégias principais da indústria foram identificadas: (i) negação/omissão: negar, omitir ou contestar as evidências de que o consumo de álcool aumenta o risco de câncer; (ii) distorção: mencionar o câncer, mas deturpar o risco; e (iii) distração: tirar o foco da discussão dos efeitos independentes do álcool em cânceres comuns...

Essas atividades têm paralelo com as da indústria do tabaco. Essa descoberta é importante porque a indústria está envolvida no desenvolvimento de políticas para o álcool em muitos países e na disseminação de informações de saúde ao público, incluindo crianças em idade escolar."

Pelo menos uma parceria entre o governo e a indústria do álcool foi sinalizada como um conflito de interesses. Em 2018, a Heineken, a segunda maior cervejaria do mundo, e o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária anunciaram uma parceria para combater doenças infecciosas na África. Mas, de acordo com um editorial do Lancet:

"A parceria proposta é um claro conflito de interesses, oferecendo à indústria do álcool — já interessada em explorar mercados emergentes como a África — uma oportunidade de desviar a atenção dos danos de seus produtos, enquanto também empresta para si um ar de responsabilidade junto aos criadores de políticas e atrai mais visibilidade e reconhecimento para a marca."

Outros grupos de saúde pública, como a Aliança NCD (doença não transmissível), concordaram.

"Deixamos claro desde o início que acreditamos que a parceria do Fundo Global com uma empresa de bebidas alcoólicas como a Heineken é incompatível por razões de saúde pública", disse Katie Dain, CEO da NCD Alliance.

"É inaceitável que uma empresa cujo negócio principal se baseie na promoção de produtos e escolhas que prejudiquem a saúde e o bem-estar das pessoas, seja vista como um parceiro viável por uma organização como o Fundo Global, encarregada de melhorar a saúde de tantos milhões de pessoas em todo o mundo."

A parceria foi suspensa em 2018, não devido a preocupações com a saúde pública, mas em meio a alegações de que o uso de promotoras de cerveja pela Heineken era uma exploração sexual e insalubre.

Existem outros conflitos de interesse relacionados ao álcool

As organizações de saúde pública viram o valor em tributar o tabaco e as bebidas com açúcar devido ao claro dano que causam. No entanto, os impostos sobre o álcool e as estratégias de controle deixam a desejar, diz o Lancet. Por exemplo:

"A Bloomberg Philanthropies, líder mundial no controle do tabaco, convocou uma força-tarefa de alto nível com ex-chefes de estado e ministros de finanças para considerar políticas fiscais para a saúde.

A organização filantrópica reconheceu que os impostos sobre o álcool eram subutilizados e, se implementados, poderiam indiretamente salvar até 22 milhões de vidas nos próximos 50 anos. Contudo, a Bloomberg Philanthropies não dedicou recursos a programas de controle de álcool."

Além disso, algumas instituições de caridade baseadas em pesquisas, como a Wellcome Trust, sediada no Reino Unido, na verdade investem em fabricantes de bebidas alcoólicas, diz o comentário do Lancet.

"O Wellcome Trust, que anunciou um grande compromisso de 200 milhões de libras para transformar a pesquisa e o tratamento para a saúde mental, também investiu 171 milhões de libras na Anheuser-Busch InBev a partir de 2017.

Nenhuma instituição de caridade da saúde global alocou recursos substanciais ou priorizou investimentos para o controle do álcool, apesar do fato de esse problema negligenciado precisar de liderança."

Há muito vimos como fabricantes de junk food como a Coca-Cola distorciam pesquisas sobre os efeitos de seus produtos para a saúde e tentaram formar parcerias que os fizessem parecer preocupados com a saúde. Não é surpresa que os fabricantes de bebidas alcoólicas façam uso dos mesmos truques sórdidos. É importante julgar suas mensagens com cautela.