Fortalecendo os pesticidas

agricultores borrifando pesticida

Resumo da matéria -

  • Grãos da soja Enlist E3 geneticamente modificada foram projetados para ser tolerantes ao glifosato, ao glufosinato (outro herbicida) e ao ácido diclorofenóxiacético (2,4-D), um dos ingredientes do Agente Laranja
  • Até 2020, o uso de 2,4-D nas fazendas norte-americanas pode aumentar entre 100% e 600%
  • A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer decretou o 2,4-D como um possível agente cancerígeno em 2015, e há preocupações de que ele possa aumentar o risco de linfoma não Hodgkin e câncer em tecidos macios, conhecido como sarcoma

Por Dr. Mercola

O glifosato, ingrediente ativo do Roundup da Monsanto, é o herbicida mais amplamente utilizado, e borrifado ao redor do mundo com uma despreocupação sem precedentes. As consequências dessa prática estão se tornando aparentes agora, com as ervas daninhas se tornando cada vez mais resistentes ao produto — e a descoberta em mais um teste clínico monumental de que o produto causa câncer.

Com o desenvolvimento dessa resistência, os agricultores que compraram a ideia sobre os benefícios do glifosato estão agora se esforçando para encontrar uma solução que elimine as ervas daninhas incontroláveis que estão superando o produto químico produzido pelo ser humano.

A solução de entidades do agronegócio é introduzir novas colheitas geneticamente modificadas (GE, do inglês, genetically engineered) projetadas para suportar não apenas o glifosato mas também herbicidas adicionais que matam as ervas daninhas que não foram afetadas pelo glifosato.

A soja Enlist E3, feita pela Corteva Agriscience, uma divisão da DowDupont e da empresa de sementes MS Technologies, é uma das inovações mais recentes, projetada para tolerar o glifosato, o glufosinato (outro herbicida) e o ácido diclorofenóxiacético (2,4-D), esse último um dos ingredientes usados na produção do Agente Laranja, que foi usado para desfolhar campos de batalha nas selvas do Vietnã, deixando consequências horríveis para a saúde da população exposta ao produto.

O uso do 2,4-D pode aumentar em até 600% até o ano 2020

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, do inglês, Environmental Protection Agency) aprovou o uso do Enlist Duo — um herbicida produzido pela Dow Chemical que combina o 2,4-D com o Roundup, para utilização em plantações de milho e soja geneticamente modificadas para tolerar ambos, o 2,4-D e o glifosato — em 2014.

O 2,4-D também é um ingrediente comum em produtos para cuidados de jardins que combinam funcionalidades de “remoção de ervas daninhas e nutrição”, pois ele mata as ervas daninhas sem danificar a grama, frutas ou vegetais, esses últimos fazendo com que ele seja um produto popular entre agricultores.

Isso é preocupante porque a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, do inglês, International Agency for Research on Cancer) decretou o 2,4-D como um possível agente cancerígeno em 2015, e há preocupações de que ele possa aumentar o risco de linfoma não Hodgkin e câncer em tecidos macios, conhecido como sarcoma.

Além disso, ele também é um químico disruptor endócrino que pode afetar negativamente os hormônios da tireoide e o desenvolvimento cerebral. Ele também pode estar associado com defeitos de nascença, e redução da fertilidade e do desenvolvimento cerebral. "Isso vai ser um desastre absoluto", Nathan Donley, cientista senior do Centro para Diversidade Biológica, disse à Investigate Midwest.

O 2,4-D irá causar problemas similares ao dicamba?

As sementes de algodão e soja Roundup Ready Xtend da Monsanto são plantas geneticamente modificadas para tolerar ambos, o glifosato e o dicamba (ácido 3,6-dicloro-2-metoxi-benzoico), um herbicida altamente volátil conhecido por sua propensão ao espalhamento e danos à colheitas que não eram seu alvo.

Milhões de acres de terra nos EUA sofreram danos pelo espalhamento de dicamba, e existem informações perturbadoras de que o químico também esteja danificando as árvores nessas regiões. O uso do dicamba também causou atrito entre agricultores, já que aqueles que experimentaram colheitas problemáticas culpam as fazendas vizinhas pelo uso de dicamba.

Em novembro de 2016, uma disputa sobre o espalhamento de dicamba terminou em fatalidade, quando o agricultor de soja e algodão Mike Wallace, do Arkansas, for morto a tiros por outro fazendeiro, Allan Curtis Jones, quando Wallace o confrontou sobre os danos causados às suas pereiras pelo borrifamento de dicamba feito por Jones.

Em um julgamento no tribunal, Jones foi declarado culpado por homicídio em segundo grau e sentenciado a 24 anos de prisão. Desde então o algodão e a soja Xtend se tornaram prolíficos nos EUA, em parte graças ao fato de que alguns agricultores plantam essas sementes simplesmente para que estejam protegidos contra o espalhamento de dicamba utilizado por seus vizinhos.

Agora alguns especialistas estão questionando se as colheitas resistentes ao 2,4-D (Enlist) estarão vulneráveis aos danos causados pelo espalhamento de dicamba, e vice-versa — as colheitas resistentes ao dicamba serão danificadas pelo espalhamento de 2,4-D?

Charles Benbrook, professor visitante da Universidade de Newcastle, que estuda pesticidas, disse à Investigate Midwest que, "Se não ocorrer cruzamento de resistências ... [ele] projetou que a Corteva, uma divisão da DowDupoint, e a Bayer, proprietária da Monsanto, provavelmente terão que chegar a um acordo para colocar os genes resistentes nos sistemas das duas empresas, aumentando o preço para os agricultores".

Além disso, é provável que o 2,4-D irá causar danos similares ao dicamba, já que os dois são conhecidos por capacidade de espalhamento, e irão confundir as avaliações sobre qual dos dois químicos é o culpado. Também falando com a Investigate Midwest, Jones disse que, "a indústria vai usar esse argumento para dizer, 'como você sabe que a causa é o nosso produto?' Isso vai habilitar a indústria a fazer o que sabe fazer melhor, semear a dúvida entre o público."

A busca sem fim por mais pesticidas provavelmente não termina aqui. "É uma resposta fraca para uma situação complexa, e isso vai continuar piorando", continua Donley. "Dentro de cinco a 10 anos, vamos estar à procura do próximo herbicida. A história nos ensina o que vai acontecer nesse caso. É loucura, de certa maneira, saber que podemos considerar esse caminho."

Monsanto perde outro processo

Milhares de pessoas nos EUA entraram com ações judiciais contra a Monsanto alegando que seu herbicida Roundup as levaram a desenvolver câncer. Em março de 2015, a IARC determinou que o glifosato é um "provável agente cancerígeno" com base em evidências demonstrando que o químico, popular no controle de ervas daninhas, pode causar Linfoma não Hodgkin e câncer de pulmão em humanos, junto com "evidências convincentes" de que ele também causa câncer em outros animais.

Em agosto de 2018, um tribunal deliberou a favor do pleiteante Dewayne Johnson em um caso verdadeiramente histórico contra a Monsanto. Johnson — o primeiro de uma série com mais de 11.000 casos pendentes contra a empresa química — alegou que o Roundup foi a causa de seu Linfoma não Hodgkin, e o tribunal concordou.

A Monsanto foi obrigada a pagar 289 milhões de dólares pelos danos causados a Johnson, embora esse valor tenha sido reduzido depois para $78 milhões. Agora, em um segundo caso, um juiz decretou em favor do pleiteante, condenando a Bayer, que comprou a Monsanto em 2018, a pagar mais de 80 milhões de dólares.

O júri concordou que as repetidas exposições de Edwin Hardeman ao Roundup, que ele usava para matar ervas daninhas em sua fazenda de 56 acres, não apenas teve um papel em seu diagnóstico de câncer, mas também que a empresa não alerta os consumidores sobre o risco de câncer oferecido por seu produto.

O caso foi dividido em duas fases, com os integrantes do júri descobrindo em primeira instância que o químico foi a causa do câncer, com base em informações puramente científicas, e em seguida concordando que a Bayer é responsável pelos danos. No final, Hardeman deverá receber 75 milhões de dólares em indenizações punitivas, 5,6 milhões de dólares por danos compensatórios e $200 mil para cobrir despesas médicas.

Em uma declaração, os advogados de Hardeman, Jennifer Moore e Aimee Wagstaff, disseram, "... O júri responsabilizou com unanimidade a Monsanto por seus 40 anos de más práticas corporativas e enviou uma mensagem à empresa alertando que é preciso mudar a maneira como conduzem seus negócios." A Bayer está recorrendo contra o veredito em ambos os casos.

A Monsanto teve um orçamento anual de $17 milhões para derrubar a credibilidade da IARC e promover o glifosato

Outro teste clínico com o glifosato foi iniciado na Califórnia, e é esperado que as evidências apresentadas revelem que a Monsanto está envolvida nas mesmas práticas usadas pela Indústria Tabagista, alocando aproximadamente 17 milhões de dólares de seu orçamento anual para esforços na derrubada da credibilidade dos cientistas da IARC que se pronunciaram contra o glifosato.

A informação surgiu em um depoimento de Sam Murphey, ex-executivo da Monsanto, que hoje trabalha para a Bayer. A ONG U.S. Right to Know revelou:

"... Imediatamente após a classificação do glifosato pela IARC — e continuando até hoje — os cientistas que estudam o câncer se tornaram alvo de condenações abrangentes por parte de uma série de organizações, indivíduos e até mesmo de alguns legisladores norte-americanos.

Eles foram acusados de operar em nome de agendas políticas e não de ciência conclusiva, de divulgação seletiva de dados, e de promover ciência sem valor, entre outras coisas. O criticismo foi ampliado e redistribuído ao redor do mundo em notícias, artigos de opinião, blogs, anúncios online do Google, e outros meios."

Por exemplo, em 2017, Henry Miller foi totalmente desmascarado como um dos xerifes da Monsanto durante a campanha da Proposta 37 de 2012 na Califórnia para o uso de rótulos com informações sobre OGMs. Miller, se passando falsamente por um professor da Universidade de Stanford, promoveu os alimentos geneticamente modificados durante essa campanha.

Em 2015, ele publicou um artigo na Forbes Magazine atacando as descobertas da IARC depois que a agência classificou o glifosato como um provável agente cancerígeno para humanos. Mais tarde for revelado que a publicação de Miller foi de fato um texto escrito pela Monsanto.

Monsanto "monitorava" a mídia, sugeria artigos de descrédito

A empresa também engajou em monitoramento da cobertura da mídia, uma estratégia conhecida como "não deixe nada passar", e prosseguia a discussão com repórteres para oferecer o ponto de vista da empresa, alguma declaração, ou "contexto adicional" para as matérias publicadas que eram consideradas inadequadas pela empresa.

Murphey também sugeriu que um repórter da Reuters escrevesse um artigo acusando o líder do grupo da IARC que investigava o glifosato de ocultar dados. O repórter escreveu o artigo, que foi divulgado por meios de comunicação em todo o mundo, ainda que as alegações contra o líder da IARC fossem falsas.

Atualmente, quase 136 milhões de quilos de glifosato são utilizados por ano nos EUA, com consequências desconhecidas para a saúde humana — mas o que sabemos até agora não parece nada bom. O que está claro é que a Monsanto continua trabalhando arduamente para suprimir toda e qualquer publicidade negativa sobre seu filho de ouro, o glifosato, mesmo enquanto a verdade continua a emergir.

Em última instância, a questão sobre o glifosato causar câncer parece estar destinada a se transformar em quanto glifosato é preciso para causar câncer — em que dosagem e duração?

A Bayer já está trabalhando no controle de danos e criou uma entidade chamada Partners In Innovation (Parceiros em Inovação) para cuidar de suas Relações Públicas. A equipe é composta de membros de três agências — Porter Novelli, FleishmanHillard e Global Prairie — todas as quais já trabalharam antes com a Bayer ou com a Monsanto (antes da fusão das duas empresas).

Pesticidas não são a resposta

"A redução no uso de pesticidas é um dos fatores críticos para preservar o meio ambiente e a saúde humana", de acordo como uma pesquisa recentemente publicada na Nature Plants, e eu concordo totalmente.

O que muita gente não percebe é que as pesquisas demonstram que 59 por cento dos agricultores poderiam reduzir o uso de pesticidas em até 42 por cento sem causar prejuízos à sua produção. Quarenta por cento dessas fazendas iriam inclusive aumentar sua produção como resultado disso.

Essas descobertas são reveladoras, especialmente tendo em vista que a indústria de pesticidas sustenta a muito tempo o argumento de que seus produtos são necessários para alimentar o mundo. Em todo o mundo, estima-se que 3,49 bilhões de quilos de pesticidas são aplicados todos os anos em plantações, e esse número está aumentando consistentemente.

Ainda assim, os problemas estão se tornando grandes demais para se ignorar. Para fugir desse ciclo de loucura, procure por alimentos não modificados geneticamente, alimentos orgânicos sempre que possível, e apoie os produtores que praticam os princípios da agricultura regenerativa e biodinâmica ao invés de usar pesticidas químicos.

E quando tiver adquirido esse hábito, faça testes de urina para verificar os níveis encontrados de glifosato e avaliar seus hábitos alimentares. Se os seus níveis ainda estiverem altos, você ainda está sendo demasiadamente exposto a esse químico, seja através da água, dos alimentos ou do meio ambiente.