Carne vermelha faz bem? Por que os especialistas vivem mudando de opinião sobre o assunto?

Fatos verificados
carne vermelha

Resumo da matéria -

  • A maioria das orientações nutricionais baseia-se em pesquisas que envolvem os hábitos alimentares declarados pelos participantes; embora dados colhidos dessa forma mostrem associações, raramente conseguem estabelecer a relação de causa
  • O ácido esteárico encontrado na carne de animais criados em pasto está associada à saúde mitocondrial, diminuição de doenças cardíacas e risco de câncer
  • Embora a maioria das pessoas consuma apenas a carne de músculos, comer todas as partes do animal, incluindo órgãos e tecido conjuntivo, aumenta a nutrição, pois essas partes têm maior densidade de nutrientes e são ricas em aminoácidos, CoQ10, minerais e vitaminas lipossolúveis
  • Produtores demonstraram que a pecuária regenerativa e o pastejo rotacionado reduzem significativamente as emissões de carbono em comparação com as operações convencionais, e essas práticas ainda melhoram a saúde do solo

Por Dr. Mercola

A saúde é altamente dependente da nutrição e da função das mitocôndrias. As mitocôndrias são como pequenas usinas de energia dentro de cada célula; se elas não funcionam bem, a saúde provavelmente está abaixo do ideal. As mitocôndrias afetam a longevidade, e problemas relacionados a elas estão associados a doenças neurodegenerativas.

Diminuir sua exposição a pesticidas e OGMs, principalmente em carnes e laticínios, ajudará você a ter uma vida mais saudável. O corpo de uma vaca foi criado para comer e processar pasto, mas a maioria da carne bovina e dos laticínios hoje em dia vem de ruminantes alimentados de ração. Infelizmente, é assim que funcionam as operações de engorda de animais em confinamento (CAFOs) que dominam a pecuária hoje de forma antiética, nociva e devastadora para o meio ambiente.

Há várias formas de nutrir suas mitocôndrias através da alimentação, mas o ácido esteárico encontrado na carne de animais terminados a pasto pode ser a melhor delas. Apesar disso, alguns especialistas advertem contra o consumo de carne vermelha. Em 2014, o consumo de carne vermelha teve a maior baixa registrada desde 1960.

Isso pode ter sido resultado de vários fatores, incluindo as recomendações da Academy of Nutrition and Dietetics, no sentido de que uma alimentação à base de plantas pode reduzir o risco de ataque cardíaco e derrame. Um relatório da Organização Mundial da Saúde também concluiu que a carne vermelha pode ser cancerígena para os seres humanos.

Por que há tantas informações conflitantes sobre a carne vermelha?

Em uma nova análise de dados de pesquisas anteriores, os cientistas estudaram os efeitos que um consumo maior de carne vermelha pode ter sobre doenças cardiometabólicas e câncer em adultos. Eles examinaram ensaios que comparavam a alimentação com pouca ou muita ingestão de carne vermelha. Os dados foram revisados de forma independente por duas equipes, e os pesquisadores concluíram que:

"Praticamente não há evidências sugerindo que a alimentação com baixo consumo de carne vermelha tenham qualquer impacto sobre os principais resultados cardiometabólicos, na mortalidade ou na incidência de câncer".

O resultado foi chamado de "chocante" pela Vox. A maioria dos veículos de comunicação tem se perguntado como os cientistas podem mudar suas opiniões sobre o lugar da carne vermelha em um plano nutricional. Como escreve Nina Teicholz, diretora executiva da Nutrition Coalition no Los Angeles Times, a maioria das recomendações foi feita com o objetivo de limitar as gorduras saturadas. Ela diz:

“Um artigo recente da BMJ Evidence-Based Medicine consolida 17 revisões separadas que demonstram que essas gorduras, sejam da carne, queijo ou óleo de coco, não afetam a mortalidade. Se a carne vermelha causa doenças por algum mecanismo que não seja a gordura saturada, ainda não há qualquer evidência que sustente essa alegação".

Como aponta Teichholz, a maioria das orientações nutricionais baseia-se em estudos epidemiológicos que solicitam que os indivíduos se reportem por um longo período de tempo. Nesse processo, os pesquisadores observam e relatam eventuais resultados para a saúde. Embora esse tipo de estudo possa demonstrar uma associação entre dois fatores, ele raramente estabelece uma relação de causa.

Já havia oposição ao estudo antes mesmo de sua publicação

Devo observar que, alguns dias após a publicação do estudo, o Washington Post revelou que os autores do estudo tinham conflitos de interesse não revelados, pois o grupo de pesquisa com o qual trabalhavam estava recebendo dinheiro “de um programa universitário parcialmente apoiado pela indústria pecuarista". Os autores do estudo responderam que sua pesquisa foi concluída antes que o financiamento fosse disponibilizado.

Antes mesmo do estudo ser divulgado, um grupo já havia juntado apoiadores e apresentado uma petição federal. Eles alegaram que foram feitas afirmações falsas, chamaram a revisão de propaganda e solicitaram que a Federal Trade Commission (FTC) proibisse permanentemente o periódico "de disseminar ou causar a disseminação da propaganda em questão".

Além disso, eles solicitaram que a FTC exigisse que o periódico emitisse uma nota de retração e correção. Um segundo comunicado de imprensa no mesmo dia questionava se o novo estudo poderia ser o chamado "clickbait", uma referência às fake news, ignorando as evidências de que a carne não processada não contribui para a morte prematura.

Em 2012, foi recomendado um estudo da Harvard School of Public Health, no qual os pesquisadores descobriram um aumento de 13% no risco de morte prematura para indivíduos que consomem carne vermelha não processada todos os dias. Compare isso com o que já se sabe sobre a ingestão de carnes processadas como salsicha, linguiça e bacon, que aumentam o risco em 20%.

No entanto, a Harvard Medical School publicou um artigo no qual se observou que os resultados do estudo eram "um pouco menos assustadores", uma vez que o risco relativo foi relatado em oposição ao risco absoluto. O risco absoluto de morte prematura para mulheres que ingerem uma porção de carne não processada por semana em comparação com duas porções de carne não processada por dia aumentou de 0,7% para 0,85%.

O aumento da ingestão de carne não processada para homens subiu o risco de 1,23% para 1,3%. No mesmo artigo da Harvard Health Publishing, eles discutiram um estudo japonês no qual os pesquisadores não encontraram nenhuma conexão entre o consumo moderado de carne vermelha e a morte prematura. Em sua matéria para o Los Angeles Times, Teicholz concluiu:

“Segundo dados do governo, apesar da redução de 28% no consumo de carne vermelha nos EUA desde 1970, cerca de 60% dos norte-americanos sofrem com pelo menos uma doença crônica na qual a alimentação é um fator de risco importante. A revisão dos anais é exatamente o que precisamos: informações sobre causa e efeito alimentar com base em fatos científicos".

Carnes e laticínios baratos saem caro

Em troca de carnes e laticínios baratos, você pode estar pagando caro com sua saúde. A poluição das CAFOs danifica o meio ambiente e a saúde humana. A carne produzida nas CAFOs têm baixo teor de ácido esteárico. Em um estudo publicado em 2018, os pesquisadores identificaram "o ácido esteárico como um metabólito que é detectado pelo corpos no intuito de controlar as mitocôndrias".

Além disso, eles observaram que o mesmo ácido ajuda a diminuir o risco de doenças cardiovasculares e câncer. Em pesquisas envolvendo moscas, os cientistas descobriram que os insetos tinham mitocôndrias saudáveis quando o ácido esteárico era adicionado à sua alimentação, mas apresentavam mitocôndrias fragmentadas os níveis de ácido graxo estavam baixo.

A carne vermelha de ruminantes criados em pasto, o óleo de coco e a manteiga de cacau são algumas das fontes mais saudáveis de ácido esteárico. Uma análise da Universidade de Illinois comparou a carne de ruminantes criados em pasto com a variedade de ruminantes alimentados com racão, constatando que o ácido esteárico saturado era 36% maior na primeira. Os pesquisadores comentaram:

"Assim, em cortes igualmente gordurosos de carne bovina, havia um maior teor de ácidos graxos saturados na carne de ruminantes criados em pasto. Em muitas dietas tradicionais, nas quais os cortes mais gordurosos e a própria gordura são esperados, a ingestão desses ácidos saturados provavelmente seria consideravelmente maior".

Comer todas as partes do animal resulta em equilíbrio nutricional

Os primeiros caçadores optavam por comer tudo o que caçavam, da cabeça ao rabo. Isso incluiu órgãos e tecido conjuntivo. Há uma boa chance de que essa prática aumentava seus níveis de energia e saúde geral. Hoje em dia, dá-se preferência à carne de músculos, pois muitas pessoas acham desagradável comer órgãos.

Um bife saindo direto da grelha pode parecer mais apetitoso que coração, fígado e rim. Porém, como eu já disse anteriormente, muitos desses órgãos têm maior densidade de nutrientes e altas quantidades de minerais, vitaminas e proteínas lipossolúveis.

Eles costumam ser a fonte nutricional mais densa, sendo ricos em aminoácidos e CoQ10. Você fica saciado por mais tempo. Além disso, os órgãos são uma boa fonte de colina, que é um nutriente essencial para o cérebro. Essa prática também ajuda a formar e reter massa muscular mais facilmente. Outro benefício é que os órgãos costumam ser mais baratos, uma vez que não são tão procurados quanto as outras carnes.

Pecuária regenerativa: a solução para salvar o solo e a saúde

Um segundo argumento amplamente difundido contra o consumo de carne bovina é que a carne produzida convencionalmente é um dos fatores que mais contribuem para o aumento das emissões de carbono da Terra e todos os tipos de poluição. É importante observar que produtores como a australiana Harris Farm não estão contribuindo para a poluição local, mas provavelmente representam grande parte da solução.

São as CAFOs que produzem grandes quantidades de resíduos de animais enquanto alimentam com grãos e antibióticos animais que deveriam comer capim. Essas operações estão destruindo o meio ambiente local e danificando o suprimento de alimentos. Um rancho no Novo México usa 33 pequenas pastagens em um espaço de 18.000 acres para pastejo rotacionado, uma prática adaptativa com vários cercados.

Esse plano simples permitiu que se aumentasse o número de gado e a biodiversidade de capim nos pastos. A pecuarista Nancy Ranney diz: “Não é apenas uma alternativa viável, é uma prática de gerenciamento necessária se você deseja manter as pastagens saudáveis e ter solos saudáveis”.

Esse processo reduz a erosão do ecossistema das pastagens, nos quais pisar e comer ininterruptamente pode reduzir uma pradaria a ervas daninhas e ao solo nu. Quando a rotação da pastagem opera de forma natural, promove um ecossistema saudável e armazena grandes quantidades de carbono no solo, como a Harris Farm demonstrou.

Em uma análise da White Oak Pastures, amostras de solo foram avaliadas de modo independente para quantificar o sequestro de carbono. Também foi realizada uma avaliação do ciclo de vida da operação pecuária. Descobriu-se que a produção de carne bovina da White Oak Pastures teve uma perda líquida total de 3,5 kg de dióxido de carbono por kg de carne fresca. Em comparação, a carne produzida convencionalmente em CAFOs apresentou 33 kg de emissões positivas para cada 450 gramas de carne fresca.

Outro estudo na região sul das Grandes Planícies dos EUA encontrou resultados semelhantes. Em um estudo atualmente em andamento, os cientistas estão descobrindo que, embora as vacas produzam gases de efeito estufa através da digestão, o pastejo rotacionado produz um sistema que neutraliza o carbono. Enquanto os resultados positivos do pastejo rotacionado vão se tornando mais amplamente aceitos, uma pesquisa com pecuaristas da Califórnia e Wyoming constatou que dois terços deles já estão usando esse sistema.

Ainda não se sabe o potencial que esse tipo de sistema tem para impactar o clima, mas, numa revisão do Nature, relatou-se que o sequestro de carbono por meio do pastejo rotacionado tem o maior potencial de reduzir as emissões de carbono na indústria pecuária.