Por Dr. Mercola
Os micróbios vivem dentro de todos nós. A ideia de se ter uma coleção de organismos microscópicos recheando e prosperando nas células, no intestino e no cérebro pode deixá-lo(a) um pouco desconfortável, mas isso é boa notícia, de acordo com as últimas notícias científicas.
O novo livro do escritor do Reino Unido baseado na ciência Ed Yong, “I Contain Multitudes: The Microbes Within Us and a Grander View of Life” (Eu Contenho Multidões: Os Micróbios Dentro de Nós e uma Maior Visão da Vida, em tradução livre) diz que microbiomas — fungos, bactérias, vírus e outras criaturas minúsculas — são “parceiros” necessários para o aprimoramento de nossos sistemas imunológicos.
Seus microbiomas mudam constantemente e o que você consome faz uma grande diferença em relação ao tipo de micróbio que seu organismo possui. Quando as pessoas começam a melhorar suas dietas, o número e a integridade de seus microbiomas melhoram. Na verdade, através da dieta você pode, a um determinado grau, mudá-los, diz Yong:
“Parece que a fibra alimentar é um condutor realmente importante da diversidade microbiana em nossos organismos. A fibra consiste em grandes números de diferentes carboidratos — vários deles não podemos digerir, mas as bactérias contidas em nosso intestino podem. Se mantemos uma dieta com baixo teor de fibras, reduzimos a faixa de parceiros microbianos.
Medidas simples como o consumo de probióticos — adicionando algumas estirpes de micróbios na esperança de que eles vão tomar conta e solucionar problemas de saúde — tem sido amplamente malsucedidas. Vai além disso…
…se quisermos acrescentar micróbios em nossos organismos, precisaremos pensar se precisamos consumir certos alimentos para nutrir os micróbios que estaremos adquirindo.”
As bactérias intestinais humanas podem ter existido há milhões de anos, talvez antes da evolução das pessoas.
Um estudo realizado recentemente afirma que três tipos de bactérias afetam o desenvolvimento intestinal, eliminam germes e podem ter influenciado a disposição e o comportamento e estavam reportadamente presentes em grandes macacos africanos que viveram há mais de 10 milhões de anos.
Cientistas acreditam que bactérias “evoluíram em estirpes distintas assim como os humanos e grandes macacos tiveram suas formas separadas de evolução”. Os autores do estudo esperam que micróbios intestinais similares possam ser finalmente rastreados por anfíbios e até por vertebrados.
Como a Ciência Aborda a Função “Fixadora” de Microbiomas Rompidos
Embora a ciência do microbioma ainda esteja nos estágios iniciais, cientistas têm explorado o motivo pelo qual certos alimentos são bons para nós e outros não. Alimentos, micróbios e saúde estão todos inextricavelmente interligados e desvendar os mistérios pode ajudar a esclarecer como eles afetam nosso metabolismo.
A fibra, por exemplo, é boa para muitas de nossas bactérias intestinais, portanto o consumo maior de legumes certamente não fará mal. O pesquisador de microbiomas Jeff Leach disse ao NPR que demasiadamente pouca fibra fará com que as boas bactérias passem fome e “quando fazemos as bactérias passarem fome, elas nos consomem. Elas consomem o revestimento mucoso — a mucina de nosso intestino grosso”.
A fibra alimenta as bactérias e desprende os nutrientes alimentícios do revestimento intestinal. Legumes são alimentos ricos em fibra, portanto é recomendado o consumo de uma grande variedade e a maior quantidade de integrais possível.
Alho e cebolas também possuem propriedades antimicrobianas; o alho danifica as bactérias indesejáveis, mas mantém as boas. Conforme Leach explicou:
“Esses vegetais contêm altos níveis de um tipo de fibra chamada inulina que alimenta as actinobactérias no intestino. Na verdade, a inulina é considerada um probiótico, uma vez que ela alimenta as boas bactérias, ou probióticos que vivem dentro de nós.”
Ele acrescenta que ajustes rápidos ou de curto prazo na dieta podem não fazer muita diferença na saúde intestinal, porém alterando a ingestão de 10 a 15 gramas de fibra por dia para algo como 40 a 50 g, “você pode sentir algumas mudanças”.
O Eixo Intestino-Cérebro: Como o Cérebro Influencia o Apetite
Cientistas da Universidade Rockefeller usaram estímulo magnético na parte ventromedial do hipotálamo no cérebro de ratos geneticamente modificados para “ligar” os neurônios e verificar como o cérebro pode influenciar o apetite. De acordo com a Scientific American eles concluíram que o procedimento:
“Aumentou o nível de açúcar no sangue dos roedores e reduziu os níveis do hormônio insulina. Ligar os neurônios também fez com os ratos comessem mais do que seus parceiros de controle.
Eles inibiram estes neurônios e verificaram efeitos opostos: baixou o açúcar no sangue, elevou os níveis de insulina e suprimiu a vontade dos animais de mastigar.”
Cientistas estão cientes há mais de um século de que o cérebro “conversa com a mente” através das conexões nervosas e dos sinais bioquímicos, como hormônios, para afetar o metabolismo em uma conexão chamada “eixo intestino-cérebro”.
Estudos têm sido concentrados nas vias de comunicação entre o sistema nervoso e o sistema digestivo para tratar problemas metabólicos, especialmente porque a obesidade e os problemas metabólicos estão crescendo constantemente no mundo.
Em 2011, o Dr. Serguei Fetissov da Universidade Rouen na França fundou sua empresa TargEDys para desenvolver programas de tratamento de problemas metabólicos e conduziu estudos realizados com ratos usando a bactéria intestinal Escherichia coli (E. coli) para reduzir o apetite dos animais. A Scientific American reportou:
“Fetissov está tentando replicar estes efeitos em roedores usando um probiótico para acelerar a proliferação da E. coli e aumentar a produção de proteínas redutoras do apetite, em vez de administrar injeções de produtos proteicos bacterianos”.
Em 2016, a TargEDys anunciou planos para a realização de testes clínicos usando bactérias probióticas liofilizadas em cápsula para aplicar em humanos e esperava replicar os efeitos supressores de apetite visto nos testes realizados com ratos. Similarmente, uma terapia potencial para pacientes com anorexia ou idosos envolve bactérias para estimular o apetite.
Quanto Mais Gordura (Boa) uma Mulher Grávida Consome, Melhor Será a Saúde Intestinal de Seu Bebê
Bebês ainda em gestação possuem micróbios também e cientistas acreditam que o consumo de gordura da mãe pode afetar a saúde da mistura desses micróbios, revelou outro estudo realizado.
Mais de 150 mulheres participaram lembrando o que elas consumiram durante a gravidez. Pesquisadores disseram que suas dietas continham uma média de 33% de gordura, número considerado bom, uma vez que a quantidade ideal está entre 20 e 35%.
No entanto, os níveis variaram entre 14 e 55%, portanto algumas participantes estavam excessivamente abaixo do padrão convencional e outras excessivamente acima. Novas evidências, na verdade, sugerem que sua dieta deveria ter, pelo menos, metade de gordura saudável e possivelmente até 70%.
Os microbiomas intestinais dos bebês nascidos de mães que mantiveram uma dieta mais rica em gordura mostraram níveis mais baixos de micróbios Bacteroide no nascimento e até semanas depois, positivamente afetando o desenvolvimento do sistema imunológico e a extração de energia do alimento.
Encontrar a ligação entre nível mais baixo de Bacteroides e dieta rica em gordura da mãe durante a gravidez foi uma surpresa para os pesquisadores, incluindo o Dr. Kjersti Aagaard, autor sênior do estudo e professor associado do centro de obstetrícia e ginecologia da Faculdade de Medicina Baylor e do Hospital Infantil Texas em Houston. De acordo com a Medicine Net:
“Dieta é muito passível de mudanças e as mulheres ficam altamente motivadas a fazer mudanças saudáveis durante a gravidez. Tradicionalmente, intervenções dietéticas durante a gravidez focaram em micronutrientes, como ferro e ácido fólico.
Especulamos que pode haver argumento sólido para discutir e estimar o consumo de gordura.”
A Obtenção Precoce dos Micróbios Corretos Pode Afastar Determinadas Doenças
A produção de micróbios no trato digestivo de bebês pode ter algo a ver com a possibilidade de eles desenvolverem asma futuramente durante suas vidas, relataram cientistas.
Na verdade, seu estudo realizado com 319 bebês revelou que baixos níveis de quatro bactérias específicas — Rothia, Lachnospira, Veillonella e Faecalibacterium — indicaram maior risco de desenvolvimento de problemas respiratórios aos três anos de idade. Por outro lado, quando o intestino dos bebês revelou maiores níveis dos micróbios, suas chances de desenvolver asma eram muito maiores.
Brett Finlay, Ph.D., microbiologista da Universidade British Columbia, informou que a asma, que tem tornado-se incrivelmente comum, é realmente uma reação alérgica imune nos pulmões. Diversos fatores aumentam ou diminuem o risco, Finlay disse ao NPR:
“Existem diversos desencadeadores; por exemplo, se você recebeu aleitamento materno em vez de mamadeira, você tem menos asma. Se você nasceu de cesariana em vez de parto normal, você tem taxa 20% maior de asma. Se você consumir antibióticos no primeiro ano de vida, você tem mais asma.”
Além disso: “Os microbiomas de crianças que não são alimentadas no peito e nasceram de cesariana podem deixar de receber bichinhos úteis. Antibióticos podem matar as boas bactérias que parecem ser importantes para o desenvolvimento de sistemas imunológicos saudáveis”.
Estudos realizados com ratos indicaram que aqueles micróbios influenciam o modo como os sistemas imunológicos das pessoas vão desenvolver-se mais tarde. Embora os pesquisadores não estejam certos de como isso acontece, uma possível ligação pode ser o fato de que bebês com baixos níveis dos quatro micróbios tinham também baixos níveis de acetato, o que pode estar associado à regulação do sistema imunológico.
Embora provavelmente ainda necessitemos de vários anos, a confirmação de sua suposição pode levar ao próximo passo dos estudos dos cientistas: verificar se os micróbios faltantes podem ser repostos. Enquanto isso, o NPR relatou:
“Mais amamentação no peito, menos cesarianas e uso mais cuidadoso de antibióticos poderiam percorrer um longo caminho em direção à nutrição dos micróbios que os bebês necessitam para evitar asma e outras doenças.”
Revisão: “Bacteroides: O Bom, O Ruim e o ‘Cerne da Questão’”
Uma revisão da Microbiologia Clínica intitulada “Bacteroides: the Good, the Bad, and the Nitty-Gritty”, (Bacteroides: o Bom, o Ruim e o Cerne da Questão) observou que os Bacteroides contêm “os mecanismos mais resistentes a antibióticos e as maiores taxas de resistência a todos os patógenos anaeróbicos”.
Eles possuem uma relação simbiótica com o hospedeiro a menos que escapem para outras áreas do organismo, causando danos.
“Por vários motivos, a espécie Homo sapiens é mais microbiana do que humana. Microorganismos compreendem somente uma pequena, porém significante, porcentagem do peso do corpo (entre 0,900 a 1,8 kg de bactérias vivas). No entanto, em termos de números de células, somos cerca de 10 [por cento] humanos e 90 [por cento] bacterianos!
Consequentemente, as bactérias desempenham função principal nas funções orgânicas, incluindo imunidade, digestão e proteção contra doenças. A colonização do organismo humano por microorganismos ocorre bem no começo da vida humana e muitos destes organismos tornam-se verdadeiramente endógenos ao hospedeiro.”
Uma subespécie de bactérias chamada B. infantis alimenta-se de açúcar no leite materno, conhecido como oligossacarídeos do leite humano. Pelo fato de os bebês não conseguirem digerir os açúcares, eles são alimento para os micróbios em vez de alimentar os bebês. De acordo com Yong:
“Estes açúcares são, de certa forma, uma maneira de estabelecer o primeiro microbioma do bebê, garantindo que as espécies corretas estabeleçam-se em vez daquelas que provavelmente causariam doenças. E é fascinante, para mim, pensar neste ato tão comum, o aleitamento materno, através desta nova visão microbiana.”
Incidentalmente, mais de um cientista lamentou o fato de que os microbiomas que os humanos têm mantido em seus sistemas por milênios estejam declinando devido, em parte, à fobia aos germes na sociedade ocidental, tais como a prevalência de antibióticos e antissépticos para as mãos.
Combater o Excremento com Excremento, ou a Grande Troca de Excremento
Clostridium difficile, comumente conhecida como C. diff., é uma “bactéria resistente” que instiga diarreia recorrente e persistente. Pode parecer contraditório tratar tal problema com um transplante de micróbios — conhecido com transplante fecal — porém, é um tratamento que tem tornado-se muito comum. De acordo com Yong:
“Transplantes fecais foram usados várias vezes, em vários países, para tratar este problema. Foi testado em estudos aleatórios controlados, que é o padrão de excelência. O primeiro teste teve que ser interrompido precocemente porque [os transplantes foram tão bem sucedidos que] não parecia ético não colocar todos os pacientes sob este tratamento.”
A C. diff é um micróbio invasivo, ao contrário do intestino irritável ou doença do intestino inflamado, porque, por ser aniquilada por uma diversidade de antibióticos, os micróbios necessários “desmoronam”, abrindo as portas, por assim dizer, para que micróbios das fezes de doador invadam. Yong disse ao NPR:
“Pode ser apenas porque a C. diff. era a fruta pendurada no nível mais baixo. Dito isso, os transplantes fecais são provavelmente nossa terapia baseada em microbiomas de maior sucesso. Eles mostram alguns princípios importantes que gostaríamos de considerar como o fato de que [o tratamento] é uma abordagem baseada na comunidade.”
Na Universidade Brown, onde outro programa foca os micróbios do sistema digestivo, tais como bactérias, fungos e vírus (microbiomas humanos), cientistas dizem que problemas com C. diff. começaram quando antibióticos prescritos para outro problema danificaram o que, novamente, poderia estar funcionando perfeitamente, organismos intestinais benignos.
Colleen Kelly, doutor participante do programa, disse que transplantes de micróbios estão sendo testados para outros problemas também, incluindo doença de Crohn, colite e diabetes — até mesmo obesidade.
“Estamos em um ponto realmente interessante na medicina onde podemos apreciar o microbioma e que [estes organismos] realmente desempenham funções integrais no metabolismo da energia, na função imunológica e em todas estas outras coisas.”
A Administração Federal de Alimentos e Medicamentos (Food and Drug Administration (FDA)) diz ter “grandes preocupações” com relação aos transplantes de microbiomas, comparando-os com óleo de cobra. Por isso, a FDA restringe o uso de tal procedimento pelos médicos para qualquer coisa diferente de C. diff. a menos que eles tenham aprovação da FDA.