Por Dr. Mercola
A aplicação do glifosato, o ingrediente ativo do herbicida Roundup, é sem precedentes em escala e sequer chegamos à ponta do iceberg quando se trata de entender seus efeitos ambientais de longo alcance e danos à saúde humana. Desde que as culturas geneticamente modificadas para o Roundup, que são tolerantes ao glifosato, foram introduzidas, o uso global de glifosato aumentou quase quinze vezes.
O uso é tão difundido que os pesquisadores declararam que "nenhum pesticida chegou remotamente perto de um uso tão intensivo e difundido" nos EUA, e esse provavelmente é o caso em uma escala global. O câncer emergiu como um dos principais riscos do glifosato à saúde, e há cerca de 42.700 ações judiciais norte-americanas de indivíduos alegando que o glifosato os levou a desenvolver câncer.
No entanto, outras doenças crônicas também têm sido associadas à substância, incluindo as doenças renais. Em janeiro de 2020, uma pesquisa publicada na Environmental Pollution identificou o glifosato na urina de 11,1% dos bebês e crianças pequenas examinados, número que aumentou para 30% entre os recém-nascidos.
Apesar dos níveis detectáveis de glifosato, o estudo não encontrou associação entre a exposição de baixo nível ao glifosato e marcadores de lesão renal, mas os pesquisadores observaram que o estudo foi limitado a um pequena amostragem e que "a falta de toxicidade renal evidente em associação com a exposição ao glifosato em crianças pequenas não exclui um possível impacto adverso da exposição a longo prazo ao pesticida".
Os pesquisadores observaram ainda: "Novos estudos com amostras maiores são indicados para entender melhor os efeitos negativos do herbicida após diferentes níveis de exposição".
A relação entre o glifosato e os danos aos rins
Uma bioacumulação significativa de glifosato foi documentada no rim, um órgão com suscetibilidade conhecida ao composto. A toxicidade renal induzida pelo glifosato tem sido associada a distúrbios na expressão de genes associados à fibrose, necrose e disfunção da membrana mitocondrial.
Além disso, como observado pelos pesquisadores do estudo Environmental Pollution, "estudos anteriores associaram a exposição ao glifosato a alterações na função renal, lesão renal e doença renal crônica de etiologia desconhecida. Há evidências crescentes que vinculam a exposição ao glifosato à epidemia de doença renal crônica de origem desconhecida em trabalhadores rurais da América Central, Sri Lanka e Índia central."
O Dr. Sarath Gunatilake, professor de ciências da saúde da Universidade da Califórnia e Channa Jayasumana, Ph.D e membro do corpo docente de Medicina e Ciências Afins da Universidade Rajarata do Sri Lanka, publicaram artigos que relacionam a exposição ao glifosato à doença renal crônica de etiologia desconhecida (CKDu) em agricultores do Sri Lanka.
Em 2014, eles levantaram a hipótese de que o consumo de água contaminada com glifosato pode contribuir para a doença renal crônica, facilitando o transporte de metais pesados como arsênico e cádmio para os rins. A Nefropatia Agrícola do Sri Lanka (SAN), uma forma de doença renal crônica que acomete os produtores de arroz e foi relatada pela primeira vez em 1994, tornou-se o problema de saúde pública mais debilitante em partes do Sri Lanka.
O glifosato pode ser o principal causador de doenças renais
Em 2015, Gunatilake e colegas observaram que as pessoas que vivem em áreas com SAN endêmica são expostas a vários metais pesados e ao glifosato, fornecendo evidências de sua origem toxicológica:
“Embora não possamos apontar uma única nefrotoxina como a culpada pela SAN, vários metais pesados e glifosatos podem desempenhar um papel importante na patogênese. Os metais pesados excessivamente presentes nas amostras de urina de pacientes com SAN são capazes de causar danos aos rins. Os efeitos sinérgicos de vários metais pesados e agroquímicos podem ser nefrotóxicos."
Em outro estudo de 2015 publicado pela equipe, verificou-se que pessoas que bebiam água de poços onde as concentrações de glifosato e metais pesados são mais altas tinham um risco cinco vezes maior de ter CKDu. Em 2019, os pesquisadores novamente nomearam produtos químicos agrícolas, incluindo glifosato e paraquat, como possíveis fatores primários do CKDu, observando:
"…O glifosato causa danos insidiosos por sua ação como análogo do aminoácido da glicina, e… isso interfere nos mecanismos de proteção naturais contra outras exposições.
Os efeitos sinérgicos do glifosato à saúde em combinação com a exposição a outros poluentes como o paraquat e o trabalho físico nas onipresentes altas temperaturas das regiões tropicais das planícies podem resultar em danos renais consistentes com a CKDu no Sri Lanka."
A controvérsia sobre o Prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica
A pesquisa de Gunatilake e Jayasumana, que associa o glifosato à doença renal crônica, foi tão significativa que eles receberam um reconhecimento notável da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), a maior sociedade científica do mundo e editora de vários periódicos, incluindo a Science.
Desde 1980, a AAAS oferece um prêmio anual de Liberdade e Responsabilidade Científica a "cientistas, engenheiros ou suas organizações cujas ações exemplares demonstraram liberdade e responsabilidade científicas em circunstâncias desafiadoras".
Conforme observado pela AAAS, "alguns premiados arriscaram sua liberdade e até segurança física por suas ações, enquanto outros foram homenageados por sua defesa e liderança". Em 2019, a AAAS foi escalada para oferecer o prêmio Liberdade e Responsabilidade Científica a Gunatilake e Jayasumana, que certamente tiveram sua cota de adversidade ao se manifestarem contra o glifosato.
Um comunicado de imprensa da AAAS até observou que os pesquisadores "enfrentaram ameaças de morte e alegações de má conduta na pesquisa enquanto trabalhavam para determinar a causa de uma epidemia de doença renal que causou dezenas de milhares de mortes em seu país natal e em todo o mundo. Por fim, sua tese levou o culpado, um herbicida chamado glifosato, a ser banido em vários países afetados".
Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos e Direito da AAAS, observou ainda: "Corrigir um erro quando interesses financeiros significativos estão em jogo requer a combinação única de rigor científico, persistência profissional e aceitação do risco pessoal demonstrado pelos dois cientistas reconhecidos pelo prêmio deste ano".
O anúncio do prêmio foi recebido com uma reação significativa da indústria, levando a AAAS a retroceder e retirar o prêmio, afirmando que concorda em "tomar medidas para reavaliar o Prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica de 2019, depois que preocupações foram expressas por cientistas e membros. Este prêmio não será entregue... conforme planejado originalmente, enquanto avaliamos nossa seleção".
No fim, a ciência prevaleceu e os cientistas foram finalmente condecorados
Depois de implementar uma longa revisão por pares para avaliar o prêmio de 2019, a AAAS concluiu que a decisão original era a correta e listou formalmente Gunatilake e Jayasumaa como os ganhadores do prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica de 2019, observando que os cientistas "investigaram uma possível conexão entre o glifosato e doença renal crônica em circunstâncias desafiadoras".
A defesa, notavelmente diferente, da descrição original da AAAS que foi retirada, se referiu aos pesquisadores como "pesquisadores de saúde pública que lutaram contra poderosos interesses corporativos para descobrir os efeitos mortais de herbicidas industriais".
Jayasumana suspeitava que a indústria tivesse influenciado negativamente a AAAS, mas disse ao Monga Bay: "A ciência prevaleceu. É por isso que, depois que certos grupos se opuseram à nossa seleção e minaram nosso trabalho profissional, o trabalho de pesquisa foi confirmado como digno de confiança".
A relação entre a doença crônica e o glifosato
Gunatilake e Jayasumaa não estão sozinhos em suas descobertas de que o glifosato é capaz de causar doenças crônicas. Uma série de estudos em animais, incluindo um estudo de 1979 que mostrou que o glifosato pode interferir na função mitocondrial no fígado de ratos, associou a presença do composto químico a danos hepáticos.
Embora o estudo real esteja disponível apenas para quem queira pagar para lê-lo, ele é citado e duplicado em um estudo de 2015 que afirmou que a exposição crônica à substância "pode resultar em danos ao fígado e rins".
Sabe-se também que o glifosato pode desencadear a produção de espécies reativas de oxigênio (ERO), levando ao estresse oxidativo. Conforme observado pelo Scientific Reports, "a elevação nos marcadores de estresse oxidativo foi detectada no fígado e rim de ratos após exposição subcrônica a herbicidas à base de glifosato na concentração permitida pela legislação dos Estados Unidos na água potável, de 700 µg/L".
Pesquisadores do King's College London também demonstraram que até mesmo uma "dosagem ultra baixa" de herbicidas à base de glifosato é prejudicial.
Stephanie Seneff, pesquisadora sênior do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), também estuda o glifosato há anos e determinou que o aumento do uso de glifosato nos EUA, assim como no Canadá, está extremamente correlacionado com o aumento simultâneo na incidência de várias doenças, incluindo câncer de mama, câncer de pâncreas, câncer de rim, câncer de tireoide, câncer de fígado, câncer de bexiga e leucemia mieloide.
O cientista de pesquisa Anthony Samsel é um dos coautores de Seneff, e juntos eles sugeriram que uma das formas pelas quais o glifosato causa danos é através da interrupção da homeostase da glicina. O glifosato possui uma molécula de glicina como parte de sua estrutura (daí o "gli" do glifosato). A glicina é um aminoácido muito comum que o corpo usa para produzir proteínas.
Samsel e Seneff acreditam que seu corpo pode substituir o glifosato e seu metabólito ácido aminometilfosfônico (AMPA) em peptídeos e proteínas, o que resulta na produção de peptídeos e proteínas danificados.
A glicina também tem um papel importante no controle da inflamação, conforme explicado em "A glicina reprime o dano oxidativo inibindo a produção de superóxido NOX e aumentando o NADPH" e é usada no processo de desintoxicação. Por conta da toxicidade do glifosato, muitos podem não ter glicina suficiente para uma desintoxicação eficiente.
Como se desintoxicar do glifosato
Os resíduos de glifosato são encontrados em muitos alimentos, incluindo culturas geneticamente modificadas e cereais não transgênicos como a aveia. Uma das melhores formas de evitar a exposição é consumir alimentos orgânicos ou biodinamicamente cultivados, além de investir em um bom sistema de filtragem de água para sua casa a fim de diminuir a exposição que pode ocorrer através da água potável. Você também deve evitar o uso de produtos à base de glifosato em sua casa, jardim ou local de trabalho.
Caso esteja interessado, o Instituto de Pesquisa em Saúde (HRI) de Iowa desenvolveu um teste da presença do glifosato na urina, que permite determinar sua própria exposição a esse herbicida tóxico. Eles também estão no processo de criar testes de cabelo para o glifosato, que serão melhores para aferir a exposição a longo prazo.
Caso haja níveis mensuráveis de glifosato no corpo, Seneff recomenda consumir alimentos orgânicos e vinagre de maçã não pasteurizado, pois eles contêm bactérias Acetobacter, que são capazes de quebrar o glifosato. Ela também sugere alho e vegetais crucíferos, que são boas fontes de enxofre.
A suplementação de glicina também pode ser uma boa opção para se desintoxicar do glifosato, pois para eliminar esse composto químico, é preciso saturar o corpo com glicina.
O Dr. Dietrich Klinghardt, especialista em toxicidade de metais e sua conexão com infecções crônicas, recomenda tomar 1 colher de chá (4 gramas) de glicina em pó duas vezes por dia durante algumas semanas e depois reduzir a dosagem para um quarto de colher de chá (1 grama) duas vezes ao dia. Isso força a saída do glifosato do corpo, permitindo que ele seja eliminado pela urina.
Pessoalmente, tomo 1 grama duas vezes ao dia há algum tempo. A glicina é barata e tem um sabor doce. É melhor consumirmos essa dose de glicina, já que comemos alimentos que podem estar contaminados com glifosato e há vários exemplos nesse grupo, infelizmente.