Por Dr. Mercola
As testagens inadequadas de COVID-19 pelo mundo nos estágios iniciais da pandemia foram responsáveis pela transmissão generalizada do vírus, em uma época em que poderia ter sido contido sem a necessidade de quarentenas extensivas.
Em janeiro de 2020, cientistas alemães desenvolveram o primeiro teste de diagnóstico de COVID-19. No início de fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde enviou cerca de 250.000 testes para 159 laboratórios do mundo inteiro.
Em vez de utilizar os testes da OMS, os EUA, sob direção do CDC e da FDA, decidiram criar seus próprios testes, como fizeram no passado, durante o surto de Ebola e Zika. No dia 4 de fevereiro, quando havia apenas cerca de uma dúzia de casos de coronavírus confirmados nos EUA, a FDA aprovou o teste de COVID-19 dos EUA, e o CDC enviou 90 deles para laboratórios de saúde pública estatais alguns dias depois.
No entanto, os testes levaram a resultados inconclusivos que causaram ainda mais demora na aquisição de diagnósticos precisos de COVID-19. O CDC não comentou sobre o que causou os erros nos testes, mas uma investigação do New York Times relatou que os testes do CDC estavam contaminados com o coronavírus.
A "falta de conhecimento" e violações de protocolo levaram à produção de testes contaminados
De acordo com o New York Times, "práticas laboratoriais descuidadas" no CDC tornaram ineficazes os primeiros testes de coronavírus nos EUA, com dois dos três laboratórios do CDC desenvolvendo kits de teste que violaram os padrões de fabricação. Quando a FDA enviou um oficial para investigar o problema, este observou que houve uma "espantosa falta de conhecimento em manufatura comercial". O Times escreveu:
"Os problemas variavam entre pesquisadores entrando e saindo dos laboratórios do coronavírus sem trocarem de roupa, até ingredientes dos testes sendo preparados na mesma sala na qual os pesquisadores estavam trabalhando em amostras do coronavírus, disse o oficial.
Tais práticas tornaram inutilizáveis os testes enviados a laboratórios de saúde pública, pois estavam contaminados com o coronavírus, e produziram resultados inconclusivos."
Em março, a página Axios relatou que Timothy Stenzel, diretor do Escritório de Diagnóstico In Vitro e Saúde Radiológica da FDA, visitou um laboratório da CDC em Atlanta e ficou preocupado com os procedimentos inadequados e possíveis contaminações.
Anteriormente, o CDC tinha afirmado que um problema de produção com um dos reagentes havia causado as falhas nos testes, mas a oficial da FDA Stephanie Caccomo afirmou que "o CDC não produziu seus testes em consistência com seu próprio protocolo". Quando os problemas começaram a emergir e o CDC produziu novos testes, os laboratórios tiveram que enviar amostras para o CDC a fim de que fossem testadas, o que causou atrasos de até 48 horas.
Em março, o New York Times resumiu as falhas nos testes dos EUA como "o mês perdido" — um período entre o final de janeiro e o início de março de 2020, no qual as testagens generalizadas podem ter mudado o curso da pandemia nos EUA e, sobre a última investigação, escreveu:
"A FDA confirmou suas conclusões... após vários meios de comunicação solicitarem a divulgação pública de seu inquérito, o qual com certeza faz parte de uma investigação federal mais ampla sobre as irregularidades nos laboratórios do CDC pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos.
Forçada a suspender o lançamento de um programa nacional de detecção do coronavírus por um mês, o CDC perdeu credibilidade como a maior agência de saúde pública da nação, e o país perdeu tempo de maneiras que continuam a assolar famílias em sofrimento, os doentes e os preocupados de todos os estados.
Até hoje, a falha singular do CDC simboliza como o governo federal estava despreparado para combater o surto de propagação rápida do novo vírus, e também evidencia sua incapacidade de estabelecer uma política sistemática de testes no início da pandemia, o que revelaria as taxas ainda desconhecidas de infecção em muitas regiões do país."
Testes importados do Reino Unido também estavam contaminados
No final de março de 2020, o Eurofins Scientific, um laboratório de testes situado em Luxemburgo, informou aos laboratórios do governo do Reino Unido que as "sondas e primers" para os testes de COVID-19 sofreriam atrasos, pois foi descoberto que eles estavam contaminados com traços do coronavírus. Não está claro como os testes foram contaminados, mas o Eurofins afirmou que outros fornecedores de testes de COVID-19 também encontraram testes contaminados.
Sobre o caso do CDC, o jornal Washington Post disse ter confirmado separadamente que os oficiais da FDA acreditam que o CDC violou suas próprias práticas laboratoriais e, assim, causou a contaminação dos testes:
"A contaminação cruzada provavelmente ocorreu porque misturas químicas foram realizadas nos kits de testes em um local do laboratório onde também estava ocorrendo a manipulação de material sintético do coronavírus. Os cientistas também disseram que a proximidade se distanciou dos procedimentos adequados e comprometeu os testes do vírus.
...O segmento problemático do teste não foi crítico para detectar o novo coronavírus, disseram especialistas. Mas após o aparecimento das dificuldades, os oficiais do CDC levaram mais de um mês para remover os passos desnecessários dos kits, agravando os atrasos nacionais nas testagens, de acordo com uma examinação de documentos federais e entrevistas com mais de 30 cientistas federais e outros familiares com os eventos.
...Isso confirma pela primeira vez o papel da contaminação no comprometimento dos testes e a falha do CDC em atender seus padrões laboratoriais."
Por que a testagem precisa do COVID-19 é tão importante
Na página Our World in Data da Universidade de Oxford, pesquisadores evidenciaram que, para entender como o COVID-19 está progredindo, os dados das testagens são essenciais. É o número de casos confirmados que informa ao mundo sobre o desenvolvimento da pandemia, mas sem dados dos testes, não há como obter um número claro de casos confirmados. Foi relatado numa publicação de março de 2020:
"As testagens são uma das nossas ferramentas mais importantes no combate para retardar e reduzir o alastramento e impacto do vírus. Os testes permitem a identificação de indivíduos infectados, orientando sobre o tratamento médico que precisam receber. Eles permitem o isolamento dos infectados e o rastreamento e quarentena de seus contatos. E podem ajudar a alocar recursos médicos e funcionários com mais eficiência.
Além disso, os testes de COVID-19 também aumentam nosso entendimento sobre a pandemia e sobre os riscos que ela causa a diferentes populações. Esse conhecimento é importante para que possamos investigar de forma adequada as intervenções que devem ser implementadas, inclusive intervenções muito caras como o distanciamento social e o fechamento de indústrias e regiões inteiras."
Em outas regiões, como Hong Kong e Singapura, os oficiais não implementaram fechamentos generalizados até recentemente, em parte devido ao grande número de testes realizados.
Singapura, que havia conduzido cerca de 12.800 testes por milhão até 13 de abril de 2020, e Hong Kong, que havia realizado 13.800 testes por milhão, apresentaram as duas maiores taxas de testagens do mundo na época. Eles inicialmente evitaram os fechamentos generalizados, colocando em quarentena apenas aqueles com testes positivos e seus contatos mais próximos.
Quando ocorreu um pico de casos em Hong Kong no final de março, houve um aumento nas restrições, e assim que os casos começarem a reduzir, é provável que as restrições sejam flexibilizadas. Essa estratégia de "suprimir e reerguer" pode se provar útil a longo prazo, mas sua eficiência depende, mais uma vez, da testagem generalizada. No entanto, na realidade, muitos países não estão fornecendo dados claros e completos sobre as testagens.
Hoje, há dois tipos de testes disponíveis nos EUA: um deles, conhecido como teste de reação em cadeia da polimerase (PCR), utiliza um cotonete nasofaríngeo; e o outro, um teste sorológico, utiliza amostras de sangue para detectar anticorpos de COVID-19. Existem diferenças nas taxas de falsos positivos e falsos negativos entre os diferentes testes, o que gera ainda mais confusão.
Lista das melhores práticas em testes de COVID-19
De acordo com a Our World in Data, além da realização de testagens generalizadas, seus dados devem ser interpretados de forma precisa. A página cita a Islândia e a Estônia como dois países que estão fazendo de tudo para fornecer dados atualizados e detalhados acerca dos testes de COVID-19, mas esse não é o caso da maioria dos países.
"Para que os cidadãos confiem e entendam os dados publicados e para que os países aprendam uns com os outros, é crucial que todos eles forneçam dados dos testes de maneira clara e documentada", afirma a página. Para este fim, eles recomendam a seguinte lista como uma forma de orientação:
Primeiramente, os países precisam acompanhar os dados dos testes de COVID-19 e então torná-los facilmente acessíveis — "Atualmente, os dados disponíveis muitas vezes não fáceis de encontrar, porque alguns países estão liberando dados em intervalos imprevisíveis por meios ad-hoc (incluindo redes sociais ou conferências de imprensa)". |
Esclarecer os "testes realizados" ou "indivíduos submetidos a teste" — Porque um indivíduo pode ser submetido ao teste mais de uma vez, então o número de testes realizados não é o mesmo número de indivíduos testados. |
Esclarecer se os dados incluem resultados negativos dos testes e/ou o número de testes com resultados pendentes. |
Esclarecer se os dados incluem todos os testes conduzidos no país — "Os dados fornecidos pelos países podem ser parciais caso nem todos os laboratórios estejam fornecendo seus dados para uma autoridade central". |
Esclarecer se todas as regiões e laboratórios dentro de um país estão emitindo dados da mesma forma — "Para avaliar a confiabilidade dos dados agregados dos testes, é preciso esclarecer se dados heterogêneos estão sendo somados. O COVID Tracking Project dos EUA, por exemplo, deixa claro que os dados totais dos EUA combinam dados de testes realizados e dados de indivíduos submetidos aos testes, dependendo de como é relatado por cada estado". |
Esclarecer a qual período os dados publicados se referem — "A principal questão que precisa ser respondida é se os dados publicados em cerca data incluem, ou pelo menos tentam incluir, todos os testes conduzidos até a data em questão". |
Abordar qualquer problema que afete a comparabilidade dos dados com o tempo — "Os Países Baixos, por exemplo, deixam claro que, desde o início, nem todos os laboratórios foram incluídos nas estimativas nacionais. Conforme novos laboratórios são incluídos, seus totais de dados acumulados são adicionados no dia em que eles começam a fornecer dados, criando picos na série temporal". |
Esclarecer as práticas de testagens comuns do país — "Por exemplo, de quantos testes uma investigação de caso necessita? Quais são os critérios de elegibilidade a serem testados? Os profissionais da saúde, ou outros grupos específicos, estão sendo retestados rotineiramente?" |
Abordar qualquer informação que possa ser perdida durante traduções — "Muitos países fornecem dados de testagens em vários idiomas — isso ajuda a disseminar as informações para mais pessoas, além de ajudar a prevenir as interpretações errôneas". |
Enquanto isso, nos EUA, ainda há vários obstáculos para os testes de COVID-19, desde a falta de suprimentos, como cotonetes e máquinas necessárias para realizar os testes, até a perda de receita por parte dos laboratórios devido à redução no número de testes sendo realizados de forma eletiva, sendo que ainda espera-se que os laboratórios aumentem o número de testes de COVID-19, os quais apresentam baixas taxas de retorno financeiro.
Os testes de COVID-19 também podem não ser sensíveis o bastante, podendo levar ao aparecimento de falsos negativos, e no dia 10 de abril de 2020 os EUA também estavam em falta de testes confiáveis para verificar a imunidade das pessoas ao COVID-19. No entanto, muitos especialistas concordam que a testagem generalizada é necessária para que os EUA flexibilizem os fechamentos, reabram sua economia e voltem a ter um senso de normalidade.