Sua maquiagem tem talco? É provável que ela também tenha amianto

Fatos verificados
Talco com amianto em maquiagens

Resumo da matéria -

  • Outro estudo revela que usar talco pode elevar o risco de exposição ao amianto; e não dá para saber isso apenas lendo o rótulo do produto
  • É indiscutível que o amianto está relacionado a vários tipos agressivos de câncer. Trata-se de um mineral presente na natureza com o talco, o que eleva o risco de o talco estar contaminado
  • Em 1894, a Johnson & Johnson lançava seu talco infantil. Mais tarde, em 1957, a empresa se tornou ciente da contaminação, porém a escondeu até sofrer mais de 11.000 processos, todos os quais alegavam o fato de o produto conter amianto
  • É essencial tomar cuidado com os produtos para cuidados pessoais, já que eles não têm qualquer regulamentação ou testes de segurança. Existem opções, e você pode consultar bancos de dados como Skin Deep do EWG em busca de ingredientes e suas respectivas classificações de segurança

Por Dr. Mercola

A indústria da beleza movimentou US$532 bilhões em 2019, e esse número deve aumentar com rapidez nos próximos anos. Preços competitivos, redes sociais e empresas que visam soluções sustentáveis são fatores que atuam em favor dos produtos para cuidados pessoais. Colocando de outra forma: os produtos para cuidados pessoais e os cosméticos movimentam enormes negócios.

Não é de hoje que as mulheres usam produtos para mudar a aparência ou melhorá-la, tal prática data no mínimo ao Egito antigo. Ao longo desse tempo todo de crescimento, toxinas como formaldeído, parabenos e ftalatos começaram a fazer parte dos produtos para cuidados pessoais.

Porém, um ingrediente que você talvez não considerasse tóxico é o talco. A Johnson & Johnson, que lançou seu famoso talco infantil em 1894, é uma das maiores vendedoras de talco. Seu total em vendas em 2018 ultrapassou os US$ 81,6 bilhões.

Aquilo que está na sua maquiagem pode causar câncer

O ingrediente que indústria da beleza utiliza pode aparecer no rótulo da embalagem como talco, talcum, talco cosmético ou silicato de magnésio. O talco é um mineral de grande utilidade para uma ampla gama de produtos. Dentre suas qualidades exclusivas, podemos citar a habilidade de absorver odores, lubrificação e resistência a temperaturas elevadas. São essas mesmas características que o tornam tão útil para cosméticos, produtos em pó, giz de cera, brinquedos para crianças e até em telhas e algumas variedades de arroz polido.

Segundo o New York Times, o talco é usado também em comprimidos manipulados, suplementos e chicletes. Grupos que realizam testes em brinquedos encontraram talco em jogos infantis de investigação de cena de crimes e giz de cera. Até a década de 90, o talco era usado em luvas cirúrgicas e preservativos.

O Environmental Working Group (EWG) acaba de publicar um estudo no Environmental Health Insights, no qual associa os produtos para cuidados pessoais que contêm talco à exposição ao amianto. Um dos produtos que o estudo testou havia sido criado para ser usado por crianças. Como é que o amianto, uma substância cancerígena, contamina o talco?

Amianto é um termo usado para 6 minerais de origem natural compostos por fibras flexíveis. Uma vez inaladas ou ingeridas, essas fibras são capazes de ficar detidas no corpo para sempre. Com o passar do tempo, elas geram inflamação que progride para um dano genético capaz de levar à mesotelioma, uma forma agressiva de câncer.

Os minérios de amianto estão presentes com os minérios de talco na natureza. Por isso, há um risco considerável de contaminação do talco durante o processamento. Quando se fala em amianto, pode ser que você pense primeiro nas telhas de amianto, o produto mais conhecido pelos consumidores no Brasil. Porém, o amianto tem seus usos militares, em construções pesadas e naval. A substância acabou chegando à indústria da beleza por sua relação com o talco.

Existem mais 2.000 produtos para cuidados pessoais que contêm talco, entre eles o blush, pó compacto e sombra. No estudo mencionado, o EWG revela que 14,2% dos cosméticos submetidos a testes haviam sido contaminados com amianto. A cientista e pesquisadora do estudo Tasha Stoiber, Ph.D., comentou os resultados com a ZME Science:

“É preocupante a prevalência de amianto nos cosméticos conforme descoberto no estudo, já que a maioria das pessoas não espera encontrar amianto na maquiagem, menos ainda em maquiagens de brinquedo para crianças. Isso ressalta a falta do devido monitoramento do talco."

O talco infantil é perigoso para os bebês

A falta do devido monitoramento representa um risco para a população. Em 1976, a Cosmetic, Toiletry and Fragrances Association, uma entidade que representa a indústria dos produtos para cuidados pessoais, declarou que todos os cosméticos vendidos nos EUA "deveriam ser isentos de valores identificáveis de amianto segundo seus padrões".

Porém a ZME Science ressalta que os testes não são padronizados, o que acabou se tornando uma brecha da qual a indústria tirou proveito. Os testes realizados no talco são facultativos aos fabricantes, e o FDA não possui nenhuma autoridade para solicitar a retirada dos produtos do mercado uma vez comprovada a contaminação.

Na atualidade, a indústria utiliza testes que não possuem sensibilidade suficiente para detectar a contaminação; por isso, o EWG milita para que os EUA utilizem um método mais confiável. O principal ingrediente do produto mais famoso da Johnson & Johnsons é o talco. Embora a maioria dos pais acredite que se trata de um produto seguro, uma vez que é específico para bebês, a Academia Americana de Pediatria vem advertindo sobre os riscos do talco infantil desde 1969.

Em março de 2020, o FDA publicou o resultado de um estudo que teve duração de um ano e que envolveu o teste de 52 cosméticos: nove estavam contaminados com amianto. Um deles era o talco infantil da Johnson & Johnson. Os demais produtos eram três maquiagens comercializadas pela Claire's e cinco maquiagens comercializadas pela City Color.

Tanto os testes do FDA (17,3%) como do EWG (14,2%) chegaram a um percentual semelhante de contaminação por amianto dos produtos para cuidados pessoais. Depois que uma mulher veio a óbito por mesotelioma, outro estudo de 2014 encontrou dois minérios de amianto - antofilita e tremolita - numa marca de talco testada para fins de litígio.

O estudo não informa qual marca de talco a mulher usou durante todos aqueles anos, porém os pesquisadores mencionam um estudo publicado em 1976, o qual aponta que, dentre 20 marcas testadas, essa mesma marca de talco apresentava o teor mais alto de amianto. Os cientistas do estudo de 2014 escreveram:

“Ademais, rastreamos o amianto presente no talco até as minas de origem, passando pelo material moído, o produto e, por fim, o pulmão e gânglios linfáticos daqueles que usaram tais produtos, e isso inclui uma mulher que teve mesotelioma.

Tomando por base os testes e re-testes realizados pelos autores, fica evidente que tal linha de produtos é contaminada de modo consistente pelos derivados do talco que são afetados pelo amianto. O teor de amianto sofreu variação de acordo com o momento de fabricação e a origem do talco.

Concluindo, nós chegamos à conclusão de que uma marca específica de talco detinha fibras identificáveis de amianto que poderiam ser liberadas no ar e inaladas durante a usual aplicação pessoal do talco.

Também descobrimos que fibras de amianto consistentes com aquelas presentes em tal produto se faziam presentes no pulmão e nos tecidos dos gânglios linfáticos de uma mulher que usava essa marca de talco e que veio a desenvolver e morrer de mesotelioma."

A Johnson & Johnson sabe do problema desde 1957

Numa carta ao editor do Journal of the American Medical Association em 1995, dois médicos escreveram sobre os riscos de infertilidade e câncer ovariano que as mulheres enfrentavam devido ao uso de preservativos com talco. O interesse dos médicos pelo talco teve início ao descobrirem que a substância era um contaminante não desejável em 70% dos implantes de mama de silicone em gel que foram avaliados.

Muito antes disso, a Johnson & Johnson já sabia dos riscos para a saúde relacionados ao talco. Porém, apenas depois que a empresa sofreu mais de 11.000 processos é que o conhecimento de que o talco infantil continha amianto veio a público.

Entre os documentos que a empresa foi obrigada a divulgar, descobriu-se que ela estava ciente de amostras contaminadas em 1957 e 1958, quando solicitou a análise de um laboratório externo. A Reuters relata que, quando o FDA perguntou sobre a contaminação do talco por amianto, a Johnson & Johnson emitiu um comunicado no qual negava qualquer conhecimento:

“Nossos 50 anos de conhecimentos de pesquisa na área apontam que o pó fabricado pela Johnson & Johnson não contém amianto”.

Apesar das irrefutáveis evidências da relação do amianto com o câncer e mais de 40 anos de evidências da contaminação do talco por amianto, certos especialistas ainda questionam a real periculosidade do talco.

A American Cancer Society, por exemplo, admite que o talco com amianto "pode causar câncer se inalado". Mas acrescenta: “As evidências sobre o talco livre de amianto não são tão claras".

Não há menção à inexistência de testes padronizados ou como saber se o talco comprado foi submetido a testes: “No momento, existem pouquíssimas evidências de que alguma outro tipo de câncer esteja associado ao uso do talco por parte do consumidor".

Empresa usa pandemia como desculpa para retirar o talco do mercado

Os resultados de um estudo publicado em janeiro de 2020 que analisou dados de quatro estudos de coorte com 252.745 mulheres ganhou as manchetes depois que cientistas afirmaram que "não houve uma relação de significância estatística entre o uso de pó na região genital e a incidência de câncer ovariano".

Após uma leitura atenta, a National Women’s Health Network (NWHN) chegou à conclusão de que não foi perguntado às participantes qual pó era usado (talco ou amido de milho) e que os pesquisadores admitem [limitações de] que "não foi possível examinar intervalos específicos de exposição nem o tipo de pó usado".

Contudo, os autores usaram os resultados como estimativas para todo tipo de pó, incluindo o talco. A NWHN menciona várias outras discrepâncias que não corroboram para a conclusão dos pesquisadores.

No International Journal of Toxicology, um outro estudo se refere à associação entre o talco e o amianto como "mal compreendida" e afirma que "as especificações da indústria declaram que o talco para uso cosmético não deve conter qualquer minério detectável de amianto fibroso".

A Johnson & Johnson permanece alegando que o talco é seguro, e o principal motivo para isso é que "o talco é usado há séculos”. Mas em fevereiro de 2020, a empresa comunicou que retiraria de modo voluntário do mercado o talco infantil nos EUA e Canadá.

Segundo um relato do USA Today, a J&J fez isso “para enfocar os produtos mais prioritários durante a pandemia de COVID”. Colocando de outra forma, a empresa está aproveitando a resposta à pandemia como desculpa para retirar o talco do mercado.

A intensão é retirar dos Estados Unidos e Canadá, mercados que representam apenas 0,5% do seu mercado consumidor na indústria da saúde. Segundo a Forbes, esse mercado movimentou US$ 13,8 bilhões em 2018.

"A demanda pelo talco infantil da J&J na América do Norte está em declínio, em grande parte graças às alterações nos hábitos dos consumidores e também pela desinformação acerca da segurança do produto e constante divulgação dos litígios."

Cuide bem dos seus produtos para cuidados pessoais

Muitos pensam que, se um produto está à venda, é porque é seguro para uso. Porém, como essa batalha para a retirada do talco do mercado nos mostra, os fabricantes estão dispostos a gastar milhões para fazer bilhões. Os milhares de processos judiciais contra a Johnson & Johnson nos lembram que o mercado dos produtos para cuidados pessoais precisam da conscientização do consumidor.

As mulheres são expostas a uma média de 168 substâncias químicas todos os dias, enquanto os homens podem ser expostos a 85. Muitas dessas substâncias estão relacionados ao câncer, toxicidades reprodutivas, asma, alergias e outras questões de saúde.

Para que os produtos de cuidados pessoais cheguem às prateleiras do supermercado, não é obrigatório a realização de testes, e como esse mercado é, em sua maior parte, autorregulado, poucas substâncias químicas foram de fato banidas. É como deixar um lobo guardando o galinheiro.

Mas existem opções, e bancos de dados como Skin Deep do EWG podem ajudar nas suas escolhas. Esse banco de dados, por exemplo, tem uma lista de ingredientes e suas respectivas classificações de segurança de por volta de 75.000 produtos para cuidados pessoais e cosméticos. Como a pele é um excelente sistema de liberação de fármacos, esse é passo é de grande importância. Aquilo que você passa no corpo é tão importante quanto o que coloca na boca.

Os produtos com o selo "100% orgânico" são as apostas mais seguras para quem deseja evitar ingredientes de potencial tóxicos. Mas lembre que produtos rotulados como "naturais" também podem conter substâncias químicas nocivas. Portanto, é aconselhável sempre verificar a lista completa de ingredientes.

Ou faça melhor: simplifique sua rotina de cuidados e faça seus próprios produtos. Você pode substituir as loções corporais e tratamentos capilares por um vidro de óleo de coco, e ainda pode deixá-lo cheiroso acrescentando óleos essenciais de elevada qualidade.

Em se tratando de talco, recomendo evitar por completo. Lembre também que não são as mulheres adultas que mais sofrem exposição ao talco. A maioria dos pais tem o costume de aplicar uma camada generosa de talco no bumbum do bebê durante a troca de fraldas, se expondo e expondo o bebê à inalação do pó.