Por Dr. Mercola
A vaginose bacteriana (VB) é uma condição muito comum que não é devidamente tratada. Acredita-se que a vaginose bacteriana uma perturbação do microbioma vaginal natural, afete até um terço das mulheres em idade reprodutiva. Embora não seja considerada grave por si só, a vaginose bacteriana pode predispor uma mulher a um risco maior de infecções do trato genital superior, infecções sexualmente transmissíveis e complicações na gravidez.
Costuma ser caracterizada por uma secreção de odor desagradável. O tratamento da vaginose bacteriana geralmente se dá por antibióticos, mas, como eu sempre aponto em meus boletins informativos, às vezes os antibióticos fazem mais mal do que bem. Nesse caso, as bactérias nocivas costumam retornar após uma rodada de antibióticos e, pior, esses antibióticos são convidativos à proliferação de outras bactérias.
Agora chega a notícia de que é possível fazer a mesma restauração e repovoamento da microbiota vaginal em casos de vaginose bacteriana, como se deu com os "transplantes fecais". Uma pesquisa publicada recentemente sugere que o transplante de fluído vaginal saudável, chamado de transplante de microbioma (TMV), pode ajudar mulheres que sofrem de infecções vaginais resistentes.
Uma tecnologia vinda de pesquisas sobre o intestino
Nos últimos anos, os cientistas descobriram que os micróbios do intestino, coletivamente chamados de microbiota, podem afetar muito mais que a digestão: o humor, peso, asma, acne, distúrbios infantis como TDAH, doença cardiovascular e, provavelmente, a predisposição a doenças.
Quando os cientistas constataram o poderoso e delicado funcionamento do microbioma intestinal, também descobriram que ele poderia ser "redefinido" ou repovoado com um transplante fecal de um doador saudável, nos casos em que não está funcionando como se deve.
Esta nova tecnologia de transplantes fecais é especialmente impressionante para erradicar a resistente e perigosa bactéria intestinal C. Difficile. Geralmente, o comprometimento do microbioma intestinal, tal como acontece com a C. Difficile, é causado por medicamentos comuns, como antibióticos e excesso de inibidores da bomba de prótons.
Agora, a mesma metodologia pode ajudar mulheres que sofrem de vaginose bacteriana. De acordo com pesquisas recentes, o microbioma vaginal parece reconhecer e responder à introdução de bactérias "boas" assim como o microbioma intestinal. Ambos os microbiomas também são afetados pela alimentação e estilo de vida, embora haja menos pesquisas sobre a vaginose bacteriana.
A vaginose bacteriana pode ser causada até por pequenas alterações corporais
A vaginose bacteriana acontece quando o microbioma vaginal sofre alterações, resultando na diminuição do Lactobacillus, um gênero de bactérias convenientes, e isso permite que outras bactérias assumam o controle, mudando o pH vaginal. O Lactobacillus é conveniente porque tende a apresentar um teor mais alto de ácido láctico e porque reduz a alcalinidade.
Na verdade, na primeira década de 1800, os médicos já haviam descoberto que o Lactobacillus poderia reduzir o risco de sepse vaginal que pode ocorrer após o parto, devido às suas características ácidas. É assim que a BBC explica o inter-relacionamento:
Os especialistas sabem que microrganismos saudáveis da vagina preferem um ambiente ácido e, quando o pH se torna muito alcalino, outras bactérias — incluindo aquelas que causam a vaginose bacteriana — podem se proliferar.
Vários fatores podem aumentar o pH vaginal e os riscos de vaginose bacteriana, incluindo sexo (pois o sêmen e a saliva são ligeiramente alcalinos) e duchas ou lavagens vaginais, além de alterações hormonais em determinadas épocas do mês durante o ciclo menstrual.
Laura Ensign, Ph.D., pesquisadora dos novos transplantes de fluidos vaginais, concorda: "Na vagina, a dominância do lactobacillus mantém o pH vaginal ácido, e é assim que você evita outras bactérias [ruins]".
Novas pesquisas promissoras são uma boa notícia para as mulheres
Com base no sucesso dos transplantes de microbiota fecal para restaurar o microbioma intestinal, pesquisadores do Centro Médico Hadassah da Universidade Hebraica de Jerusalém e do Instituto Weizmann de Ciência em Israel recentemente desenvolveram o primeiro transplante de secreção vaginal ou transplante de microbioma vaginal (TMV). Os pesquisadores escreveram na Nature Medicine:
"Nós relatamos os resultados de um primeiro estudo exploratório que testa o uso do transplante de microbioma vaginal (TMV) de doadoras saudáveis como uma alternativa terapêutica para pacientes que sofrem de vaginose bacteriana sintomática, intratável e recorrente (ClinicalTrials.gov NCT02236429).
Em nossa série de casos, cinco pacientes foram tratadas e, em quatro delas, o TMV esteve associado à remissão completa de longo prazo até o final do acompanhamento, entre 5 e 21 meses após o TMV, caracterizada pela melhora acentuada dos sintomas, aparência microscópica do fluido vaginal através dos critérios de Amsel e reconstituição de um microbioma vaginal dominado por Lactobacillus.
Uma paciente apresentou remissão incompleta nos aspectos clínicos e laboratoriais. Não foram observados efeitos adversos em nenhuma das cinco mulheres. Curiosamente, a remissão em três pacientes necessitou da repetição do TMV, incluindo a mudança da doadora de uma paciente, para provocar uma resposta clínica duradoura.
A eficácia terapêutica do TMV em mulheres com vaginose bacteriana recorrente e intratável deve ser determinada por mais ensaios clínicos randomizados e controlados por placebo."
Resultados animadores em primeiro estudo pequeno
Como os pesquisadores escrevem na Nature Medicine, duas participantes do estudo apresentaram remissão imediatamente após o TMV e outras duas quando se repetiu o TMV. Uma quinta participante apresentou remissão após a alteração de sua doadora, sugerindo que a compatibilidade da doadora pode ser um fator que contribui para o sucesso do transplante. A Dra. Ahinoam Lev-Sagie, uma das pesquisadoras do artigo da Nature Medicine, descreveu o avanço ao Jerusalem Post:
“Acreditamos que o teste de dosagens maiores do TMV em estudos futuros ou, alternativamente, novas formas de seleção das doadoras [nos] permita aperfeiçoar a compatibilidade entre doadora e receptora, a fim de melhorar as chances de sucesso total desse tratamento. Os resultados foram surpreendentes…
...Assuntos relacionados à saúde da mulher muitas vezes são pouco estudados e até negligenciados pela medicina clínica. A vaginose bacteriana, embora não apresente riscos, é um distúrbio feminino extremamente comum que pode ser um fardo na vida das mulheres. Acho incrível que nós, como médicos, tenhamos a opção de oferecer às pessoas algo que pode mudar suas vidas."
Os pesquisadores esperam criar um "coquetel microbiano" simples e padronizado, que possa ser usado com mais pacientes com vaginose bacteriana, reduzindo os custos para oferecer um primeiro tratamento.
As doadoras dos fluídos vaginais passam por critérios rigorosos
Claro que nem toda mulher pode ser doadora do TMV. Uma equipe de pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, que também está investigando os transplantes de microbiota vaginal, ressalta que é preciso ter cuidado na escolha das doadoras apropriadas para as mulheres que sofrem de vaginose bacteriana e se interessam por esses transplantes.
Segundo eles, a doadora ideal precisa se abster de sexo por pelo menos um mês antes de doar uma amostra e passar pelo exame de HIV e quaisquer outras infecções sexualmente transmissíveis, para impedir que estas fossem repassadas à receptora do TMV.
O processo de transplante não é muito complicado. De acordo com a BBC, a doadora “insere e remove um disco plástico flexível — semelhante a um copo menstrual ou diafragma contraceptivo — para coletar a amostra”. Então, o fluído vaginal doado "seria transferido para um aplicador, que a receptora inseriria como se fosse um absorvente interno".
"A doação é uma auto-coleta, a qual sabemos que as pessoas preferem... É rápido e fácil, e uma amostra coletada desse modo teria material suficiente para a fabricação de uma dose", explica Ensign.
Os transplantes de microbiota vaginal também aumentam a auto-estima
Além dos riscos de doenças mais graves apresentados pela vaginose bacteriana, ela também afeta a auto-estima. Veja como uma mulher descreve seu próprio caso, que a levou a aconselhar outras pessoas.
"Hoje tenho 51 anos, mas sofri infecções durante um período de 10 anos, dos vinte aos trinta e poucos, antes de haver tratamentos sem prescrição. Eu era enfermeira, mas não fazia ideia da vaginose bacteriana. Eu comprava iogurte probiótico numa loja de produtos saudáveis da minha cidade e inseria com um absorvente interno, porque tinha uma vaga ideia de que restauraria [as bactérias], mas provavelmente não adiantava nada...
...Eu falo com mulheres que pegam vaginose com frequência, tomam antibióticos, desenvolvem candidíase... Elas ficam desesperadas, compram produtos de higiene íntima para se livrarem do odor, que aumentam ou mascaram o problema. Essa é uma pesquisa realmente animadora, e os transplantes seriam absolutamente incríveis para ajudar essas mulheres a romperem esse ciclo".
Até agora, existem poucas opções de tratamento disponíveis contra a vaginose bacteriana e as que existem raramente promovem a cura ou restauração completa. A pesquisa em andamento sobre os transplantes naturais de microbiota vaginal, que dispensam uso de medicamentos, é encorajadora para todas as mulheres que sofrem de vaginose bacteriana.