Como o sono influencia o aprendizado, a memória e a saúde em geral

(Vídeo disponível somente em Inglês)
benefícios do sono

Resumo da matéria -

  • O sono tem impacto sobre sua habilidade para aprender e sobre sua capacidade criativa. Sono profundo é crucial para a desintoxicação do cérebro, e pode ter um impacto significativo sobre o seu risco de desenvolver a doença de Alzheimer
  • Por volta dos 12 meses de idade, quando um bebê começa a aprender a engatinhar, se levantar e caminhar, ocorre um aumento tremendo de sono de estágio 2, durante o qual o cérebro está editando e tomando decisões ativamente sobre quais informações manter e quais descartar
  • Dormir permite que seu cérebro consolide informações abstratas, aglomerando-as em padrões coesos que te permitem extrair sentido do mundo ao seu redor, e das suas experiências nele
  • Dormir é importante antes de aprender algo novo, já que isso prepara seu cérebro para absorver informações. O sono também é crucial depois de aprender alguma coisa, pois nesse ponto os novos dados são armazenados e integrados ao que você já sabe
  • O sono também aumenta em aproximadamente 250 por cento a sua habilidade para obter introspecções que de outra maneira se manteriam elusivas. Simplesmente sonhar com a prática de alguma atividade aumenta o seu desempenho físico real nessa atividade em até 10 vezes

Por Dr. Mercola

No vídeo acima, Rhonda Patrick, Ph.D., um cientista biomédica, entrevista o professor Matthew Walker, Ph.D., fundador e diretor do Centro para Ciência do Sono Humano da University of California Berkeley e autor de "Why We Sleep: The New Science of Sleep and Dreams." (em tradução livre, "Por Que Dormimos: A nova Ciência do Sono e dos Sonhos")

Nesse episódio, Walker discute o impacto do sono sobre sua habilidade para aprender e sua capacidade criativa, e a importância do sono profundo para a desintoxicação do cérebro, algo que pode influenciar seu risco de desenvolver a doença de Alzheimer. A entrevista começa com uma discussão sobre como os padrões de sono mudam durante a infância, e as implicações desse fato.

Por volta dos 12 meses de idade, quando um bebê está começando a aprender como engatinhar, se levantar e caminhar, ocorre um aumento tremendo de sono de estágio 2, que é um tipo de sono leve, não-REM, durante o qual o cérebro está editando e tomando decisões de maneira muito ativa sobre quais informações armazenar e quais descartar. Nesse caso, o aprendizado está relacionado com o desenvolvimento de habilidades motoras.

O desenvolvimento da linguagem também ocorre durante essa fase da vida, e o sono também desempenha um papel importante aqui. De fato, o sono tem um papel crucial em qualquer momento que você esteja aprendendo alguma coisa nova, seja linguagem ou matemática, por exemplo, independente da sua idade.

Como o sono impacta os processos de aprendizagem

Indo além, o sono permite que seu cérebro consolide muitas informações abstratas diferentes, aglomerando-as de certa maneira em padrões coesos que te permitem extrair sentido do mundo ao seu redor, e das suas experiências nele. Em outras palavras, o sono é crucial para o aprendizado abstrato — para conectar os pontos, como diz o provérbio — em comparação com simplesmente aprender fatos individuais.

Embora particularmente relevante durante o desenvolvimento inicial, isso também é algo que você continua a desenvolver durante toda a vida, e o motivo pelo qual a privação do sono pode ter um impacto dramático sobre o seu bem-estar mental, disparando confusão e estados emocionais negativos.

De acordo com Walker, o sono afeta seus processos de aprendizado e memória tanto antes quanto depois de se aprender algo novo, e se privar do sono em ambas as etapas do processo vai impactar sua habilidade de aprender.

Em primeiro lugar, o sono é importante antes do aprendizado, já que ajuda a preparar seu cérebro para absorver as novas informações. A pesquisa de Walker demonstra que estudantes privados de sono apresentam uma redução de 40 por cento em sua habilidade de reter novas informações, comparado com alunos que dormem oito horas sólidas por noite.

A teoria de Walker é que nosso hipocampo pode potencialmente ter uma capacidade para armazenar informações que é limitada pelo tempo. Quando você passa mais de 16 horas acordado, seu hipocampo fica efetivamente sem espaço de armazenamento e não consegue receber mais dados.

Para continuar aprendendo, você precisa dormir, e durante o sono as informações armazenadas no seu hipocampo são transferidas para o armazenamento de longo prazo em outras áreas do seu cérebro, de fato esvaziando o armazenamento de curto prazo do hipocampo.

Segundo, você precisa dormir depois de aprender algo, para salvar e manter esses novos fatos individuais — e integrar as novas informações com o que você já sabe.

Walker discute pesquisas fascinantes demonstrando que durante o sono, seu cérebro literalmente reproduz o que aprendeu enquanto você estava acordado, mas de 10 a 20 vezes mais rápido que o normal nos períodos de consciência, e acredita-se que isso faça parte do processo de consolidação de memórias, já que fortalece as sinapses.

Essa coleta e armazenamento de novas informações ocorre primariamente durante o sono não-REM. Então, durante o sono REM (sono com sonhos), seu cérebro funde todas essas novas informações com o conteúdo total que você já tem armazenado em seus bancos de memória, criando uma "rede mental de associações" que está evoluindo e crescendo continuamente, explica Walker.

Além disso, enquanto fazemos conexões associativas durante o estado de consciência, as conexões que formamos durante o sono REM são as "absurdas", as associações mais bizarras, e de vez em quando ilógicas, entre informações aparentemente discrepantes. E é exatamente por isso que muitas vezes nossos sonhos não fazem nenhum sentido lógico.

Sono de qualidade melhora sua criatividade

É por isso também que o sono REM nos permite "produzir introspecções criativas notáveis" sobre problemas que não poderíamos resolver durante o dia com pensamento racional e lógico. De acordo com Walker, o sono REM (do inglês, Rapid Eye Movement) é portanto crucial para a aquisição de sabedoria (ao invés de simplesmente conhecimento) — a habilidade de discernir e extrair significado das suas experiências de vida.

Ele também é essencial para a solução criativa de problemas, e muitas descobertas científicas ocorreram como resultados de sonhos. Um exemplo disso é o caso de Otto Loewi, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina por sua descoberta de que a linguagem principal de comunicação entre as células nervosas é química, e não elétrica como se pensava anteriormente. O experimento científico elegantemente simples que levou à descoberta de Loewi, ganhadora do prêmio, foi obtida por ele em um sonho.

O químico responsável pela comunicação entre as células nervosas é conhecido agora como acetilcolina, e também é o químico responsável pela randomização das conexões de dados durante os sonhos, já que ele interrompe a conexão entre o hipocampo, onde memórias sobre eventos e lugares são armazenadas, e o neocórtex, onde fatos, ideas e conceitos são armazenados e onde a reprodução de memórias realmente ocorre.

De fato, uma quantidade imensa de evidências demonstram que dormir mais aumenta a produtividade e a criatividade. O sono também aumenta em aproximadamente 250 por cento a sua habilidade para obter introspecções que de outra maneira se manteriam elusivas. De acordo com Walker, simplesmente sonhar com a prática de alguma atividade aumenta o seu desempenho físico real nessa atividade em até 10 vezes.

À medida que memórias antigas e novas são integradas para formar um todo completamente novo, novos futuros possíveis também são imaginados. (Isso é o que você de fato percebe como "a ação" do seu sonho.) A soma total desses processos é o que te permite designar significado para eventos na sua vida e também para novas informações.

A privação de sono alimenta o sentimento de solidão

Walker também comenta sobre sua pesquisa mais recente, que sugere que a solidão pode estar intimamente conectada com a falta de sono. Para esse experimento, 18 jovens adultos foram testados sob duas condições diferentes: após uma boa noite de sono e depois uma noite com sono interrompido.

Depois disso os participantes assistiram vídeos de pessoas caminhando em direção a eles, e foram instruídos a parar o vídeo quando sentissem que a presença da pessoa no vídeo estivesse invadindo seu espaço pessoal. De maneira interessante, após a privação do sono, a necessidade dos participantes por espaço pessoal foi bem maior do que depois de uma boa noite de sono.

Quando ficaram sem dormir, os participantes interromperam a pessoa caminhando em sua direção a uma distância 60 por cento maior do que quanto tiveram uma noite bem descansada. Mapeamentos cerebrais também revelaram que quando os participantes foram privados de sono, eles apresentaram uma atividade 60 por cento maior na amídala, a área do cérebro responsável pela percepção de ameaças.

Em resumo, o experimento sugere que quanto menos você dorme, menos social você se torna. E mais, outras pessoas captam essa dica amplamente subconsciente de que você quer ser deixado em paz, e outros testes também revelaram que as pessoas tendem a te avaliar como solitário quando você não dorme bem — e elas também tem menos probabilidade de querer interagir com você. Como mencionado por Walker, "a falta de sono pode nos transformar em leprosos sociais".

A solidão atingiu proporções de uma crise e tem consequências graves para a saúde. Por exemplo, a solidão aumenta seu risco de mortalidade, por quaisquer causas, em impressionantes 45 por cento, diz Walker, e ele acredita que a privação do sono pode ser de fato um fator subjacente significativo. A boa notícia é que se trata de algo sobre o qual você tem bastante controle, e pode agir de acordo.

Falta de sono dispara respostas de luta-fuga-congelamento

Também vale notar que, de acordo com Walker, eles não foram capazes de encontrar nenhum transtorno psiquiátrico sobre o qual o sono não tem alguma influência, o que realmente ressalta a importância de abordar o sono sempre que você estiver sofrendo com qualquer tipo de problema de saúde mental, seja leve ou grave.

Walker também ressalta que pesquisas já confirmaram que indivíduos com altos níveis de ansiedade tem uma chance maior de sofrer os impactos negativos da falta de sono. Então, se você tem uma tendência para ansiedade, depressão ou humores negativos, é preciso tomar cuidados extras para obter quantidades suficientes de sono de alta qualidade.

Infelizmente, indivíduos com ansiedade alta também apresentam probabilidade maior de insônia, o que alimenta o ciclo vicioso. "A linha vermelha da narrativa biológica da insônia é um sistema nervoso com respostas ampliadas de luta ou fuga", diz Walker. "Com frequência observamos um sistema nervoso simpático super ativo em pessoas com insônia."

O cortisol desempenha um papel importante nesse caso, e em pessoas que tem problemas para pegar no sono, observamos tipicamente uma elevação nos níveis desse hormônio do estresse no momento em que elas se deitam para dormir, quando normalmente esses níveis deveriam começar a cair.

Em pessoas com o outro tipo de insônia, em que a dificuldade é se manter dormindo pela duração da noite, é comum observar elevações misteriosas nos níveis de cortisol durante esses períodos, quando normalmente os níveis de cortisol deveriam ser realmente baixos.

Walker sugere técnicas de redução do estresse baseadas na atenção plena (do inglês, mindfulness) para cuidar da insônia, incluindo a meditação, já que isso acalma o sistema nervoso simpático (as respostas de luta ou fuga) e facilitam a desconexão mental necessária para te permitir pegar no sono e não se prender a ruminações e preocupações.

Outros benefícios importantes do sono para a saúde

O sono também é necessário para:

Manutenção da homeostase metabólica no seu cérebro — O estado de vigília é associado com o estresse mitocondrial, e sem sono suficiente, a degeneração neuronal se instala, o que pode levar à demência. Pesquisas com animais revelam que o sono intermitente e inconsistente resulta em danos cerebrais consideráveis e irreversíveis.

Roedores perderam 25 por cento dos neurônios localizados em seu locus cœruleus (ou cerúleo), um núcleo no tronco cerebral associado com estados de excitação, vigília e certos processos cognitivos. De maneira similar, uma pesquisa publicada no periódico Neurobiology of Aging sugere que pessoas com problemas crônicos de sono desenvolvem doença de Alzheimer antes das pessoas que dormem bem.

Manutenção da homeostase biológica — Seu corpo contém uma série de relógios biológicos que regulam tudo, do metabolismo ao funcionamento psicológico.

Quando você perturba o seu ritmo circadiano, ao não dormir o suficiente, os resultados se espalham em cascata pelo seu corpo, aumentando a pressão arterial, desregulando os hormônios responsáveis pelo apetite e níveis de açúcar no sangue, aumentando a expressão dos genes associados com inflamações, excitação imunológica, diabetes, risco de câncer e estresse, e muito mais.

Enquanto o relógio mestre no seu cérebro sincroniza suas funções corporais para se encaixar em um ciclo de luz e escuridão de 24 horas, cada um dos seus órgãos, e de fato, cada uma das suas células, têm seu próprio relógio biológico. Em 2017, o Prêmio Nobel de Medicina for de fato concedido à descoberta desses relógios corporais.

Foi demonstrado que até metade dos seus genes estão sob controle circadiano, ligando e desligando em ondas cíclicas. Todos esses relógios, embora tenham ritmos ligeiramente diferentes, são sincronizados com o relógio mestre no seu cérebro. Não é preciso dizer que, quando esses relógios ficam fora de sincronia, isso pode acarretar uma ampla série de problemas de saúde.

Remoção de resíduos tóxicos do seu cérebro através do sistema glinfático — Esse sistema apresenta um aumento de atividade durante o sono profundo, permitindo assim que o seu cérebro se livre de toxinas, incluindo proteínas nocivas associadas com desordens tais como a doença de Alzheimer.

Ao bombear líquido cefalorraquidiano através dos tecidos cerebrais, o sistema glinfático elimina os resíduos do seu cérebro, enviando-os de volta para o sistema circulatório do seu corpo. A partir daí, os resíduos eventualmente alcançam o seu fígado, onde podem ser eliminados.

Essa lista curta deveria te dar indicações das muitas ramificações possíveis para a sua saúde em decorrência da falta de sono. Considerando-se o fato de que o sono desempenha um papel fundamental em tudo, desde a expressão genética e regulação de hormônios até a desintoxicação do cérebro e cognição, fica claro que não existem muitos aspectos do seu ser que ficam ilesos quando você se priva do sono.

Como a falta de sono afeta sua saúde cardíaca e cardiovascular

Importante também é que as pesquisas demonstram que o sono é um fator significativo para a sua saúde cardíaca e cardiovascular. Por exemplo, a falta de sono:

Envelhece prematuramente o seu coração — Em um estudo envolvendo "uma amostra representativa de adultos norte-americanos", pessoas que dormiam sete horas por noite tinham corações que apresentavam sinais de estar 3,7 anos mais velhos do que sua idade cronológica, com base na idade biológica. Nesse caso, a "idade do coração" foi definida como "a idade prevista do sistema vascular de uma pessoa com base em seu perfil de risco cardiovascular."

Esse conceito foi introduzido inicialmente pelo Estudo Cardíaco Framingham, publicado em 2008. Pessoas que dormiam regularmente seis ou oito horas por noite, tinham corações que estavam em média 4,5 anos mais velhos que sua idade cronológica, enquanto as pessoas que dormiam apenas cinco horas ou menos por noite apresentaram os corações com a maior idade biológica — 5,1 anos mais velhos que sua idade cronológica.

Dos 12.755 participantes do estudo, 13 por cento dormiam apenas cinco horas ou menos por noite; 24 por cento dormiam seis horas; 31 por cento dormiam sete horas; 26 por cento dormiam oito horas; e apenas 5 por cento delas dormiam nove horas ou mais a cada noite.

Considerando que o tempo ideal de sono — com base em centenas de estudos que observaram o sono e a saúde — é entre sete e nove horas por noite, essas estatísticas revelam que pelo menos 37 por cento dos adultos não estão, nem de longe, obtendo quantidades saudáveis de sono.

Aumenta sua pressão sanguínea e promove inflamações vasculares — Embora essa conexão tenha sido observada anteriormente, um conjunto de estudos publicados no ano passado descobriu que mesmo que você durma uma quantidade saudável de horas, a qualidade desse sono pode ter um grande impacto sobre o seu risco de pressão alta e inflamações vasculares associadas com doenças cardíacas.

Pessoas com transtornos leves de sono, tais como dificuldade para pegar no sono ou despertar uma ou mais vezes durante a noite, estão "significativamente mais suscetíveis a sofrer com pressão alta do que as pessoas que adormecem rápido e têm sono profundo."