A restrição calórica combate a doença hepática e o crescimento de tumores

Fatos verificados
Restrição calórica

Resumo da matéria -

  • Em animais geneticamente predispostos a desenvolver a carcinoma hepatocelular (câncer de fígado), uma restrição calórica de 30% demonstrou ter uma ação protetora
  • O fígado possui um relógio circadiano que você pode controlar através da alimentação e do jejum, reduzindo assim o risco de desenvolver doença hepática gordurosa não-alcoólica (DHGNA)
  • Fatores que aumentam o risco de DHGNA e podem levar à cirrose e ao câncer de fígado incluem a obesidade, síndrome metabólica e falta de flexibilidade metabólica
  • Experimente algumas medidas para melhorar sua saúde metabólica com a restrição do intervalo de alimentação, melhorando os padrões de sono e cortando os carboidratos, açúcares, cereais e óleos vegetais processados

Por Dr. Mercola

O carcinoma hepatocelular (CHC) é um tipo primário de câncer de fígado e também uma das principais causas de morte por câncer no mundo inteiro. Em recente estudo com ratos, foi concluído que a restrição calórica pode reduzir o estresse celular, melhorar a sinalização da insulina e prevenir a hepatocarcinogênese que está associada à esteatose.

O fígado se situa debaixo das costelas direitas, embaixo do pulmão. Ele desempenha diversas funções vitais e é o maior órgão interno do corpo. Parte dos nutrientes absorvidos pelos intestinos é metabolizada pelo fígado para que venha a ser usada pelo organismo. Além de metabolizar o álcool, drogas e resíduos, o fígado também produz fatores de coagulação e leva bile aos intestinos.

A forma mais comum de câncer de fígado é carcinoma hepatocelular. Ele tem dois padrões principais de crescimento. Começa como um único tumor em determinados casos, e somente mais tarde é que se espalha. O segundo tipo, encontrado mais frequentemente em pessoas que sofrem de cirrose, tem início com muitos nódulos em todo o órgão. Sem a correta função hepática, a pessoa morre.

Entre os tratamentos convencionais mais comuns, podemos citar: radioterapia, imunoterapia, quimioterapia e remoção cirúrgica do tumor principal. Pesquisas mostram que a restrição calórica pode reduzir o risco de carcinoma hepatocelular. É interessante entender como os ritmos circadianos influenciam a função hepática para melhor avaliar os resultados desse estudo.

O fígado tem seu próprio ritmo circadiano

O ritmo circadiano é como se fosse um relógio interno seguido pelo organismo. A exposição luminosa dos fotossensores presentes nos olhos retransmite um sinal ao núcleo supraquiasmático (NSQ), que fica localizado numa parte do cérebro conhecida como hipotálamo. A função do núcleo supraquiasmático é sincronizar o relógio biológico, para assim regular os ciclos de sono e vigília, bem como outras atividades fisiológicas.

Entre as quais, podemos citar a temperatura central do corpo, a função neuroendócrina, a memória e a atividade psicomotora. É como se o núcleo supraquiasmático funcionasse como um marca-passo feito de diversos neurônios que são osciladores circadianos. A exposição à luz é o gatilho mais importante do núcleo supraquiasmático.

O núcleo supraquiasmático gera uma saída elétrica de ritmo específico, promovendo mecanismos comportamentais e fisiológicos ideais. Mas diversos fatores podem influenciar negativamente sua ação, como é o caso do envelhecimento e da privação de sono.

A temperatura, alimentação e socialização também pode afetar o núcleo supraquiasmático. Recentemente, descobriu-se também que fígado tem enzimas limitadoras que são controladas pelo ritmo circadiano. A função do núcleo supraquiasmático como regulador dos ciclos de sono e vigília é considerada o relógio mestre pelos pesquisadores.

Mas o relógio circadiano é influenciado de tal maneira no fígado pela alimentação e jejum que os pesquisadores passaram a crer que não está relacionado ao núcleo supraquiasmático. A verdade é que, como comprovado em estudos com animais, as vias metabólicas oscilam de modo independente dos demais relógios circadianos do organismo, influenciando atividades como a restauração do NAD+ e reposição do glicogênio.

A restrição calórica tem o poder de restaurar o fígado

A restrição calórica tem um efeito protetor contra o desenvolvimento do carcinoma hepatocelular em animais com DGHNA, conforme revela o estudo em destaque, que foi publicado na revista médica Liver Cancer. Os roedores foram geneticamente manipulados para que desenvolvessem doença hepática e tumores de forma espontânea, sendo então divididos em dois grupos.

O grupo de controle podia comer o quanto quisesse, e o grupo experimental foi submetido a uma restrição calórica de 30% durante 15 meses. O resultado foi que o grupo experimental mostrou menor estresse oxidativo, diminuição dos mediadores pró-câncer, melhora da autofagia e diminuição da quantidade e tamanho dos tumores em relação ao grupo de controle no fim do período de intervenção.

Tais resultados é corroborado por pesquisas anteriores, que também chegaram a uma melhora considerável nos perfis lipídicos séricos, no estresse oxidativo e no índice de massa corporal através do jejum do amanhecer ao anoitecer. “Epidemia emergente” que exige uma medida preventiva com bom custo-benefício é como os pesquisadores descreveram a combinação da síndrome metabólica com DHGNA e carcinoma hepatocelular.

Em uma análise dos dados de um estudo envolvendo animais, cientistas do Baylor College of Medicine perceberam que o organismo responde a mudanças na alimentação associadas ao sistema circadiano. O relógio circadiano e o microbioma intestinal agem de forma independente no metabolismo, como revela uma pesquisa anterior. Os pesquisadores desse estudo descobriram que a "perturbação do relógio circadiano no fígado dos camundongos muda o microbioma intestinal".

Neste caso, a mudança representou menos perde de peso por parte das cobaias. Estudos como esse relevam a importância do controle do relógio circadiano para a função hepática. Descobriu-se que as vias são influenciadas pelos hábitos alimentares, podendo levar ao desenvolvimento de DHGNA.

A DHGNA pode evoluir para cirrose e câncer

DHGNA é um termo genérico para diversas doenças hepáticas que não estão relacionadas ao abuso do álcool. A DHGNA tem como principal característica uma quantidade grande de gordura acumulada nas células hepáticas. Para algumas pessoas, a DHGNA pode evoluir uma doença caracterizada por inflamação: esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) e posteriormente avançar para cicatrizes (cirrose) e insuficiência hepática.

Embora a doença não esteja relacionada ao consumo de álcool, o dano é semelhante ao do alcoolismo. Apesar de muitas vezes não apresentar sintomas, a DHGNA pode levar à fadiga ou desconforto na região superior direita do abdômen. A cirrose é principal complicação da DHGNA e da EHNA.

Quando o fígado tenta impedir o processo inflamatório, acaba gerando cicatrizes e lesões fibróticas. Conforme esse processo continua, a fibrose acaba se espalhando, culminando em inchaço das veias do esôfago, insuficiência hepática em estágio terminal e câncer de fígado.

Embora muitos casos de carcinoma hepatocelular sejam acompanhados de cirrose, até 20% dos pacientes desenvolvem câncer sem cirrose hepática. Como muitos médicos não fazem exames de rotina em pessoas que não apresentam cirrose, esse tipo de câncer geralmente são diagnosticados em um estágio avançado.

O diretor médico do programa contra o câncer de fígado da Universidade do Texas, Dr. Amit Singal, pediu por mais exames de rotina em pessoas com DHGNA ou EHNA, mesmo sem a presença de cirrose, no Simpósio de Câncer Gastrointestinal de 2020. Como o diagnóstico em estágio inicial representa cinco anos no tempo médio de sobrevida, ele pediu um monitoramento consistente.

"A nova manchete do câncer" é como o American Journal of Managed Care chamou a DHGNA e o câncer de fígado, acrescentando que esse é um dos diversos cânceres obesogênicos causados por "nosso ambiente, nossas políticas nutricionais e estilo de vida que promovem a gordura" e "porém relativamente desconhecido fora da literatura médica".

Estatísticas do CDC dos EUA mostram que 40% de todos os diagnósticos de câncer entre norte-americanos em 2014 foram de caráter obesogênicos. O ritmo crescente de ganho de peso parece estar em paralelo com o ritmo também crescente de cânceres associados ao sobrepeso, os quais sofreram um aumento de 7% entre 2005 e 2014.

A obesidade e a síndrome metabólica aumentam o risco de DHGNA

A obesidade e a síndrome metabólica são fatores de risco para a DHGNA. Embora ainda não se saiba por que alguns indivíduos com DHGNA desenvolvem EHNA enquanto outros não, os pesquisadores identificaram alguns fatores de risco para sua progressão. Segundo os dados, as pessoas com maior probabilidade de ter sua DHGNA avançada para EHNA são aquelas com diabetes tipo 2, triglicérides elevados, síndrome metabólica ou obesidade.

Os especialistas estimam que 25% dos adultos norte-americanos sofrem de DHGNA, dentre os quais 20% progridem para EHNA. Entre os latinos, essa taxa é muito maior. Em um estudo que testou hispânicos nos estados de Dallas e Texas, foi descoberto que 45% deles tinham esteatose hepática, quando a gordura equivale a pelo menos 5% do peso do fígado.

Mais crianças podem ir se preparando para uma vida cheia de problemas de saúde ao serem diagnosticadas com DHGNA. Até 2006, pouca gente sabia que as crianças poderiam desenvolver DHGNA. Foi nesse mesmo ano que o professor de pediatria da Universidade da Califórnia em San Diego, Dr. Jeffrey Schwimmer, publicou suas descobertas: uma taxa de 13% de incidência de doença hepática em suas 742 autópsias pediátricas.

Crianças e adolescentes com obesidade apresentaram a maior taxa de doença hepática. Em 2008, outro estudo descobriu que uma variante do gene PNPLA3 é capaz de aumentar o risco de DHGNA.

O diretor do programa contra diabetes e obesidade do Hospital Infantil de Los Angeles, Michael Goran, Ph.D., demonstrou um aumento de 2,36 vezes na gordura do fígado de crianças de somente 8 anos que possuíam duas cópias do gene PNPLA3 e que haviam sido expostas a grandes quantidades de açúcar.

Atualmente, a equipe de Goran está avaliando impacto que a educação de pais e filhos tem no desenvolvimento da doença hepática, utilizando para isso medições de ressonância magnética pré e pós-intervenção.

Mas não são apenas os alimentos ingeridos pelas crianças que aumentam o risco de DHGNA. O xarope de milho com altor teor de frutose presente nas bebidas norte-americanas é transmitido pelo leite materno, conforme descoberta de Goran. Esse fato está associado a uma maior quantidade de massa corporal do bebê aos 6 meses, podendo predispor a criança à obesidade e DHGNA.

Alguns passos para diminuir o risco de síndrome metabólica

A falta de flexibilidade metabólica é um sintoma da síndrome metabólica e dos problemas de saúde dessa natureza. No cenário atual, a falta de flexibilidade metabólica está relacionada a desfechos piores de COVID-19. Seus sintomas incluem:

  • Maior circunferência abdominal
  • Pré-diabetes ou diabetes tipo 2
  • Pressão alta ou pré-hipertensão
  • Alta contagem de triglicerídeos
  • Baixa contagem de colesterol HDL

Não é novidade a relação entre as doenças e a saúde metabólica, mas, com a atual pandemia, esse fato vem ganhando destaque. Numa entrevista recente comigo, Dr. Paul Saladino salienta a associação da saúde metabólica com a função imunológica.

Ele acredita que, na medicina emergente, a relação entre o metabolismo, a saúde metabólica e o sistema imunológico, isto é, o metabolismo imunológico, é, sem dúvidas, um dos campos mais importantes.

Veja as principais recomendações de Saladino para a saúde metabólica, visando a diminuição subsequente do risco de doenças infecciosas, obesidade e cânceres obesogênicos:

Cortar os carboidratos, açúcares, cereais e óleos vegetais processados — “Do ponto de vista alimentar, acredito que esses são os principais males causando estragos em nosso metabolismo”, disse Saladino na entrevista. Os piores dentre eles provavelmente são os óleos vegetais. “Os óleos vegetais poli-insaturados são altamente oxidáveis e extremamente nocivos para o metabolismo. Então, comece por cortá-los”, aconselha Saladino.

Comer alimentos provenientes de animais terminados a pasto — Conforme indicado num artigo da revista Nutrients, as deficiências de vitamina A, C, D, E, B2, B6, B12, folato, ferro, selênio e zinco podem comprometer a função imunológica. Tratam-se de vitaminas encontradas principalmente nos alimentos de origem animal e, portanto, evitá-los tende a causar deficiências nutricionais.

“Se quiser ter um sistema imunológico robusto, você precisa ser metabolicamente saudável. Você não pode desenvolver uma resistência à insulina, e precisa de nutrientes certos na sua alimentação. Como obter nutrientes certos? Esses micronutrientes são obtidos através de fontes animais biodisponíveis da carne de órgãos e músculos”, indica Saladino.

Se você não se vê comendo órgãos, experimente um suplemento desidratado, como aqueles que Saladino vende.

Restringir intervalo de alimentação — Outra estratégia poderosa para melhorar sua sensibilidade à insulina é reduzir seu intervalo de alimentação para de seis a oito horas por dia, fazendo sua última refeição três horas antes de dormir.

Ser fisicamente ativo — Para melhorar e reduzir os marcadores de risco para doenças metabólicas. Apenas tome cuidado para não exagerar, pois o excesso de exercícios reduz a função imunológica e aumenta o risco de infecções respiratórias.

Durma melhor.

Diminua seu estresse.