A dieta cetogênica e seus efeitos fisiológicos no corpo humano

Casal saudavel cortando vegetais

Resumo da matéria -

  • A insulina é essencial para a saúde e prevenção de doenças, e controlar sua ingestão de carboidratos é a maneira mais eficaz de controlar seus níveis de insulina e otimizar sua sensibilidade à ela
  • Um dieta cetogênica com baixo teor de carboidratos aborda o aspecto endócrino da saúde metabólica, reduzindo com eficiência os seus níveis de insulina, e à medida que a quantidade de insulina no seu corpo é reduzida, sua taxa metabólica aumenta
  • As vias de sinalização da proteína alvo de rapamicina em mamíferos (mTOR, do inglês, mammalian target of rapamycin) controlam a autofagia e desempenham papel importante no envelhecimento e desenvolvimento de câncer

Por Dr. Mercola

Nessa entrevista, Benjamin Bikman, Ph.D., um cientista que estuda a obesidade e a diabetes e é professor associado de fisiologia e biologia do desenvolvimento na Brigham Young University (BYU) em Utah, nos EUA, revela como a dieta cetogênica afeta sua fisiologia e auxilia na obtenção de uma saúde ideal.

"Meu principal interesse no início era entender como o corpo se adapta à obesidade", ele diz. "Essa foi minha tese de mestrado.

Uma das minhas áreas de interesse era tentar explicar porque e como o corpo se torna resistente à insulina durante uma situação de obesidade ... A resistência à insulina é a conexão.

Durante meu Ph.D., estávamos observando inflamações em pessoas que estavam perdendo peso como resultado de cirurgias gastrobariátricas e como a melhora dessas inflamações se devem provavelmente em parte às melhorias obtidas na sensibilidade à insulina apresentadas pelas pessoas que passam por esses procedimentos.

Se estou realmente desenvolvendo essa convicção, com base em minha própria pesquisa, de que a insulina é essencial não apenas no controle da diabetes mas também para praticamente todas as doenças crônicas, então qual é a melhor maneira de controlar a própria insulina? Foi então que decidi insistir no estudo de dados já publicados sobre testes clínicos com humanos — não roedores, não células individuais, não epidemiologia, apenas os dados clínicos.

A dieta com baixo teor de carboidratos foi justamente uma forma muito eficiente de fazer isso. Isso me despertou o interesse em fazer perguntas sobre as cetonas, que é algo que meu laboratório está estudando ... como as cetonas são reguladas pela insulina."

A convicção de Bikman de que a insulina é essencial na prevenção de doenças, e que controlar a ingestão de carboidratos é a forma mais eficaz de controlar os níveis de insulina, o levou a começar a praticar ele mesmo o que estava aprendendo.

Alto nível de insulina é um promotor-chave de doenças

Ambas, a resistência à insulina e a hiperinsulinemia, promovem o acúmulo de gordura no fígado e altos níveis de glicose no sangue, e esses dois fatores por sua vez colaboram com o desenvolvimento de aterosclerose. Pressão sanguínea alta é outro efeito colateral da resistência à insulina que conduz à aterosclerose ao impor estresse sobre suas artérias.

Os efeitos da resistência à insulina estão realmente no centro da maioria, senão de todas, as doenças degenerativas crônicas. Diabetes, doenças cardíacas, câncer e doença de Alzheimer são apenas algumas das mais óbvias. A conclusão lógica então seria que abordar o problema da resistência à insulina é um componente básico de qualquer tratamento de saúde eficaz.

Como a dieta cetogênica melhora a sensibilidade à insulina

A pergunta então se torna, como tratamos a resistência à insulina? Como a pesquisa de Bikman revela, a dieta cetogênica representa uma parte integral da "cura" para essa condição.

"Para mim, o benefício de uma dieta cetogênica com baixo teor de carboidratos é que ela age sobre o aspecto endócrino da saúde metabólica", diz Bikman. Existe essa ideia de que se você simplesmente colocar uma pessoa sob um regime de restrição calórica, ela vai perder peso — e pronto, problema resolvido ... Mas nós sabemos que isso tem consequências a longo prazo ... Isso causa danos metabólicos duradouros ...

Ainda assim, o poder de uma dieta com baixo teor de carboidratos é que ela aborda o componente endócrino. Mesmo que a quantidade de calorias seja algo importante, e eu sou capaz de compreender as leis da termodinâmica ... nós não podemos ignorar a importância dos hormônios, especialmente a insulina."

A energia que você consome e a energia que você tem armazenada. "A insulina mantém suas mãos fortes e capazes no volante ao conduzir o que seu corpo faz com a energia que tem à sua disposição", ele diz.

A importância dos ciclos de ingestão de quantidades grandes e pequenas de carboidratos

Apesar de todos os seus benefícios, existem desvantagens em se manter em cetose alimentar crônica. Com base em evidências, estou convencido de que é preciso fazer pulsos, ou ciclos de entrada e saída na cetose alimentar. Bikman concorda com essa ideia de maneira geral.

A insulina suprime a habilidade do fígado para produzir glicose. Ela prejudica a gliconeogênese. Isso significa que se os seus níveis de insulina ficarem baixos demais por muito tempo, os seus níveis de glicose começam a aumentar. Embora não seja uma verdade universal para todas as pessoas, isso pode acontecer, como aconteceu comigo. Entrar e sair dos ciclos de cetose também vai te ajudar a evitar esse efeito colateral paradoxal.

A conexão entre a flora intestinal e a saúde do fígado

Bikman também resume como uma dieta rica em fibras ajuda a combater a esteatose hepática, fazendo isso através da influência que tem sobre o micro-bioma da sua flora intestinal.

"Embora o corpo humano não obtenha nenhum benefício energético das fibras, as bactérias do seu trato intestinal obtêm. Essas bactérias são capazes de utilizar as fibras alimentares como combustível. Um dos produtos desse processo são os ácidos graxos de cadeia curta, [tais como o] butirato."

O ácido butírico (butirato, um ácido graxo de cadeia curta produzido pelas bactérias no seu trato digestivo) é realmente similar ao hidroxibutirato de cetona, produzido pelo seu fígado durante a conversão de gordura em energia.

A diferença principal entre os dois é que o hidroxibutirato não é tão facilmente absorvido. A maior parte dele é usado pelos colonócitos (células epiteliais do seu intestino grosso). Em outras palavras, o hidroxibutirato é usado como combustível em seu trato intestinal, enquanto o butirato é benéfico para o seu fígado.

O fator mecânico alvo de rapamicina — Um condutor da saúde ruim

A proteína alvo de rapamicina em mamíferos (mTOR, do inglês, mammalian target of rapamycin), também conhecida como fator mecânico alvo de rapamicina, é uma via incrivelmente importante, já que controla a autofagia — o processo natural de limpeza do seu corpo, através do qual as células velhas e danificadas são eliminadas e substituídas por células novas e saudáveis.

Com essa responsabilidade, ela desempenha um papel importante no envelhecimento e desenvolvimento de câncer. Em poucas palavras, para desacelerar o envelhecimento e reduzir seu risco de câncer, você quer inibir a ação da mTOR, já que isso dispara a autofagia. Quando a mTOR é ativada, a autofagia é desativada, o que previne a reciclagem de proteínas.

Infelizmente, a supressão crônica da mTOR também não é ideal.

Insulina ativa a mTOR em um grau maior do que proteínas

Em outras palavras, açúcares e carboidratos são os inimigos nº 1 quando se trata de ativar a mTOR e da condução dos processos de envelhecimento e desenvolvimento de doenças. De acordo com Bikman, uma comparação direta em tecidos demonstra que a insulina causa picos de mTOR de três a quatro vezes maiores do que a leucina, o aminoácido que tem o maior impacto sobre a mTOR, e que mais eleva seus níveis.

De maneira importante, ao passo que aminoácidos como a leucina, ou proteínas em geral, levarão a picos de mTOR por algo entre 45 a 90 minutos, e após esse período os níveis de mTOR reduzem novamente, ao consumir muitos alimentos ricos em amidos e açúcares, você eleva de forma crônica a sua insulina e portanto ativa de maneira crônica a mTOR, e isso é o que causa os problemas.

Os benefícios do jejum intermitente

Além da dieta cetogênica, o jejum intermitente — no qual você não come durante 16 a 18 horas por dia; 12 horas sendo o mínimo absoluto — é outra maneira eficiente de recuperar sua sensibilidade à insulina e manter a mTOR sobre controle.

Basicamente, enquanto você está jejuando, seus níveis de insulina vão cair drasticamente, permitindo que seu corpo entre em estado de autofagia e se limpe. Depois, quando você se alimenta da próxima vez, seu corpo desativa o processo de autofagia e começa a se reconstruir.

O motivo pelo qual você quer evitar comer por 16 a 18 horas é o fato de que essa é a única maneira de esgotar os suprimentos de glicose no seu fígado. Como ressaltado por Bikman, seu fígado retém, em média, 100 gramas de glicogênio, e leva entre 24 e 48 horas para queimar todo esse estoque.

Isso significa que se você se alimenta com uma dieta rica em carboidratos e quer entrar em cetose, vai ser necessário restringir totalmente o consumo de carboidratos ou jejuar por pelo menos 24 horas. Quando você começa a ficar sem glicogênio, suas cetonas começarão a aumentar para substituir o glicogênio como o combustível que seu corpo precisa. Em torno de 48 horas, você entra solidamente em estado de cetose já que o glicogênio no seu fígado foi totalmente consumido.

Óleos industriais de sementes — Outros culpados pelo desenvolvimento de doenças

O diabo mora nos detalhes, é claro, e os principais problemas não são causados apenas pelos carboidratos refinados contidos na dieta ocidental à base de alimentos processados, mas também pelos óleos processados extraídos de sementes, que Bikman descreve como "surpreendentemente patogênicos".

"Quando se observa o importante ômega-6 e como ele oxida através da ação dessa molécula chamada 4-hidroxinonenal (4-HNE), estamos observando como ela acumula nas células musculares.

Ela está forçando essas mudanças na maneira como as mitocôndrias são construídas fisicamente. As mitocôndrias adoram ser bastante dinâmicas. Elas são alongadas e fibrosas. Com frequência elas se separam em partes menores e depois se juntam novamente. Nem todas elas têm um propósito fisiológico relevante com relação ao crescimento e divisão celular.

Ainda assim, no caso do acúmulo de 4-HNE, esse processo é interrompido. Com isso você força a manutenção desse estado estático das mitocôndrias, que não é saudável para elas e nem para as células que as contém. Ainda não posso dizer mais sobre isso simplesmente porque ainda não temos todos os dados, mas eles estão surgindo."

Cetonas — Marcadores substitutos para a insulina

Embora a medição da insulina seja algo realmente valioso, você precisa de prescrição médica para fazer o teste. Felizmente, existe um marcador que é um bom substituto para a insulina, que são os seus níveis de cetonas, pois você não pode ter níveis altos de insulina se apresentar quantidades altas de cetonas.

Em outras palavras, as cetonas são indicadores inversos da sua quantidade de insulina. (Um dos melhores dispositivos para medição de cetonas que conheço é o Keto-Mojo, já que cada tira de teste custa apenas $1.)

"Esse foi o meu interesse inicial nas cetonas, pois elas oferecem esse marcador imediato dos seus níveis de insulina, de uma forma que nem mesmo a glicose consegue fornecer. Você pode ter níveis normais de glicose e ainda assim apresentar níveis elevados de insulina.

Se você é resistente à insulina, seu corpo só precisa de mais insulina para manter os níveis de glicose dentro de valores normais, então a glicose realmente não é uma medida confiável. De certa maneira, isso torna as cetonas marcadores ainda mais sensíveis, como substitutos para a insulina, do que até mesmo a glicose.

Com o passar do tempo, se alguém mantém seus níveis de insulina sob controle por um período longo o suficiente, o fígado basicamente passa a queimar gordura a uma taxa tão alta que começa a queimar mais gordura do que precisa, então o corpo possui essa válvula de exaustão, ou de escape, um tanto inteligente, que é a produção de cetonas", diz Bikman.

O que e quando comer ao se exercitar

Claramente, a sua dieta é muito mais importante do que os exercícios quando se trata de manter a insulina sob controle e da manutenção da sua saúde geral. Dito isso, eu não acredito que seja possível atingir uma saúde ideal sem integrar exercícios à sua rotina. A questão prática é, "O que e quando você deve comer ao se exercitar?"

Minha conclusão é que as proteínas formam um componente necessário após uma sessão de exercícios, e que é melhor se exercitar enquanto você está em estado de jejum. Bikman concorda, dizendo:

"Com relação às proteínas, elas sem dúvida são relevantes para pessoas praticando exercícios de resistência ou aeróbicos. É preciso garantir que você consuma proteínas em quantidade suficiente. Mas não parece existir um período mágico específico para isso.

Basicamente, você não precisa consumir proteínas nos primeiros 45 a 60 minutos após uma sessão de exercícios. Essencialmente, se você consumir proteínas em quantidade suficiente dentro de um período de 24 horas depois dos exercícios, você vai ficar bem.

Agora, com relação aos carboidratos, um estudo muito interessante foi feito com estudantes de uma faculdade, divididos em dois grupos, onde um dos grupos teve que se exercitar e então sua próxima refeição era rica em carboidratos.

No outro grupo, os participantes jejuaram durante o período que seria sua próxima refeição ... O grupo que consumiu a dieta rica em carboidratos ... não apresentou nenhuma melhora na resistência à insulina."

A importância da leucina depois dos exercícios

Uma das fontes mais importantes de proteínas quando você está se exercitando é o aminoácido chamado de leucina. De uma forma interessante, e também paradoxal, a leucina de fato ativa o processo de autofagia, embora também ative a mTOR, o que pela lógica resultaria na inibição da autofagia.

Esse paradoxo provavelmente tem relação com o fato de que a leucina é cetogênica, o que significa que ela pode se transformar em uma cetona, e as cetonas ativam a autofagia. A leucina é tão eficiente na criação de massa muscular, que uma pesquisa mencionada por Bikman demonstrou que apenas 5 gramas de leucina são suficientes para maximizar a síntese proteica muscular em pessoas consumindo dietas que são, para todos os fins, deficientes de proteínas.

Ao procurar por suplementos de leucina, o ácido β-hidróxi-β-metilbutírico (HBM, do inglês, hydroxymethylbutyrate) é um subproduto da leucina que você pode consumir. Entretanto, ele é mais caro, e de acordo com a interpretação de Bikman da literatura médica, não apresenta benefícios adicionais comparado à própria leucina.

Colágeno não conta como uma fonte de proteína

Como regra geral, para otimizar a mTOR, você precisa restringir sua ingestão de proteínas para aproximadamente 0,5 grama de proteína para cada meio quilo de massa corporal magra (não o peso total do seu corpo), ou seja, 1 grama por quilo de massa corporal magra. Os idosos podem precisar de até 25 por cento a mais.